30.8.05

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Desejos



Se eu soubesse o que é preciso para acalmar seu coração.

Se eu tivesse a força sobre-humana que você pensa que eu tenho.

Se apenas você entendesse que este amor que tudo entende e tudo aceita é – além de sincero, forte e eterno – uma tentativa de mostrar a você como se deve amar.

Se eu conseguisse fazer você entender que a minha serenidade vem da aceitação do que é, sem tentar mudar a realidade à minha volta; é apenas lucidez.

Se eu pudesse, apenas por um momento, fazer você olhar o mundo através dos meus olhos, se enxergar como eu o enxergo, enxergar o mundo com menos medo e mais interesse e alegria.

Se ao menos esta RAIVA toda fosse embora daqui de volta para onde veio.

Se nós, que já conquistamos tanto juntos, pudéssemos também conquistar tudo isto.

Se fosse possível ignorar o mundo louco e malvado que faz com que o amor sem limites assuste os que estão em volta.

Se eu não estivesse tão absorta em juntar minhas forças para a longa batalha que sabemos que está para chegar.

Se ao menos você fosse um pouquinho mais seguro de quem você é.

Se Deus tivesse permitido que eu nunca escutasse a palavra câncer.

Se Ele tivesse dado a você uma mãe amorosa como a minha.

Se ao menos – ao menos isso! – nós conseguíssemos hoje, apenas desta vez, dormir em paz…

Ah, seria tão bom!


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Tonight
Elton John

Tonight
Do we have to fight again
Tonight
I just want to go to sleep
Turn out the light
But you want to carry grudges
Nine times out of ten
I see the storm approaching
Long before the rain starts falling

Tonight
Does it have to be the old thing
Tonight
It's late, too late
To chase the rainbow that you're after
I'd like to find a compromise
And place it in your hands
My eyes are blind, my ears can't hear
And I cannot find the time

Tonight
Just let the curtains close in silence
Tonight
Why not approach with less defiance
The girl who'd love to see you smile
Who'd love to see you smile
Tonight

27.8.05

Tem dias que o sol me faz borboleta. Eu olho este céu azul do Rio, intenso com a luz dourada do sol daqui, e me dá vontade de voar em cabriolas como a mais baldia e pequena das borboletas amarelas. Voar em volutas, em elipses, em exclamações. Alguns dias exigem que eu seja uma borboleta-manhã.

Outras vezes, o sentido agudo da beleza-triste me faz borboleta. Uma borboleta toda negra, com um único pingo de cor intensa, carmim, como um grito de alerta. Nestes dias eu me quedo silenciosa e cheia de presságios. Nestas vezes tenho de ser uma borboleta meia-noite.

Vez ou outra, é a poesia que me torna borboleta. Vez ou outra, a borboleta azul invade a alma como se pousasse numa flor, num lento abre-fecha-abre de grandes asas transparente-aveludadas. É imperioso que - vez ou outra - eu seja a borboleta que aparece de repente, num rasgo de sol da tarde, declamando poesia.

De vez em quando, ah, de vez em quando eu encontro você. Você me faz borboleta. Uma borboleta monarca, quente, laranja, absoluta em minha necessidade de resvalar minhas asas num suave beijo de pestanas pelo seu queixo moreno. Tangenciar num toque leve, leve, a linha do seu pescoço. Derreter e me pingar inteira em sua pele, cobrindo com meu vôo seu território. De vez em quando. Ahh... de vez em quando. Mesmo em pleno inverno. Mesmo no meio da madrugada. Sua presença me transforma numa rainha com asas de borboleta.

14.8.05

"O Intransponível (Clarice Lispector)

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de táxi. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. que importava se um dia sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvara era uma bolsa velha de senhora, com a alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafiando. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o supenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com os olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás."

(Publicado originalmente em 25/10/1969 no JB, republicado no livro A descoberta do mundo, Ed. Rocco, página 243)


Encontros assim acontecem, estes momentos marcantes que surgem diante de nós, como esta aparição canina e ruiva que era a resposta às preces da menina ruiva. Alguns deles são momentos que apontam mudanças definitivas na nossa vida, um daqueles marcos existenciais que balizam as mudanças de trajeto. Alguns outros, talvez mais preciosos, são clarões que iluminam nossa vida por um instante, fadados a desaparecer, ainda que não fadados ao esquecimento.

Ah, moreno de olhos doces de basset, eu nem percebi você chegar, não sei por quanto tempo você fica, nem mesmo se este nosso encontro deve durar. Mas estou muito, muito feliz por você ter parado nesta esquina, neste momento, tenha me olhado com estes olhos e me feito sonhar.

Tudo o que eu quero agora é uma razão que te faça ficar.

6.8.05

Mudanças

Que a vida dá muitas voltas é uma frase que, de tão repetida, virou um sinal para olharmos para cima e revirarmos os olhos em desespero. É, mas acontece que a vida dá muitas voltas mesmo. Um exemplo? Quando o Asa começou, em 2002, a Internet era uma variável ainda por conhecer para mim. Cometi muitos erros, passei por situações de uma gama variadíssima de humores, ganhei amigos para a vida toda, conheci pessoas que se perderam na poeira da estrada.

Agora, neste agosto em que o Asa completa seu terceiro ano de existência e inicia seu quarto ano online, eu me flagro, de forma surpreendente, resgatando um pedaço da minha vida que abandonei meio a contragosto aos 24 anos, e iniciando uma atividade profissional nova: a publicitária Assunção Medeiros se reuniu com o talentosíssimo designer, grande amigo e agora sócio Bruno Schweller, e desta paceria surgiu a Quimeras Design.

O filho novo absorveu a Borboleta, como todo recém-nascido, de forma que o Asa ficou um tanto abandonado por uns tempos, para minha tristeza. Mãe amorosa tem sempre amor suficiente para todos os filhos, e o abandono do meu casulo azul estava me causando dor. Como presente de aniversário, e um pedido de desculpas a meus leitores, uma cara nova. Aliás, mais de uma: aproveitando a deliciosa tecnologia das CSS - que nos dá a possibilidade de trocar os estilos da pagina sem trocar o conteúdo - durante as próximas semanas o Asa vai ganhar, a cada sábado, uma cara nova.

E o melhor de tudo: não, não vou ficar trocando de template a cada semana, e sim ADICIONANDO um template novo a cada sábado. Quero fazer pelo menos três em agosto, e meus leitores vão ter a partir de então a possibilidade de escolher a borboleta que mais os encanta, ou de borboletear livremente entre elas. E a Sue não vai mais sumir da sua casa virtual, mesmo que tenha outras casas virtuais para construir por aí.

Entrem, fiquem à vontade, e vamos construir mais um ano de lirismo neste espaço um tanto árido da Net.

Beijos azuis de aniversário!