13.8.03




Devo agradecer sinceramente ao meu querido amigo Ruy Maia Freitas, que fez o grande favor de publicar no seu blog Despoina Damale (link na coluna da esquerda) o maravilhoso sermão que transcrevo abaixo, para a minha meditação e meditação dos meus queridos leitores.

Ruy, muito obrigada. Como de hábito, você está certo.



Sermão de Santo Agostinho.



Uma vez que ignoramos quais sejam os que pertencem ao número dos eleitos, devemos encher-nos de tanta força de amor, que a cada um desejemos a eterna felicidade, e ajudá-lo para que a alcance. O que nos leva a compreender os homens, é unicamente a carinhosa participação da sua vida. É o amor que nos dá conhecimento mais perfeito.

Nossos pais tinham o excelente costume de não rejeitar, mas reconhecer o que de bom e divino encontrassem, não contaminado, em alguma heresia, ao passo que expunham e retificavam devidamente que o erro ou o cisma contivesse de estranho e peculiar. Aos dissidentes devemos nós, os cristãos, demonstrar benevolência católica. Trata-se de curá-los. Estão com os olhos inflamados; só muito de leve podemos tocá-los. Ninguém arme controvérsias com eles. Ninguém se meta a polemizar, nem mesmo para defender sua fé, para que não venha acender alguma faísca, e para que, aos que procuram uma oportunidade, seja dada essa oportunidade. "Antes de tudo, procurai a paz e a santificação; porque sem elas ninguém pode contemplar a Deus " (Heb. 12, 14)...

A piedade procura Deus pela fé; a vaidade procura-o pela controvérsia. São dignos de louvor os que procuram a paz. Os que a odeiam, devem ser antes apaziguados por meio da doutrina e do silêncio do que irritados pela censura. Quem ama a paz, ama também os inimigos da paz. Quem ama a luz, não se irrita contra o cego, mas tem pena dele. Antes de condenares o cego, procura curar o infeliz que estiver ao teu alcance. Ouves uma injúria? Tolera, cala, esquece. Lembra-te de que deves curar. Mas injuriam a Deus? Tu o percebes; e Deus não perceberia? Tu o sabes; e Deus não saberia? E, no entanto, "Ele deixa o seu sol nascer sobre bons e maus, e chover sobre justos e injustos".

Mas o que farei? Eu te direi: fora com toda contenda! Entrega-te à oração. Não refutes com injúrias o injuriador. Não digo que te cales, mas que reflitas: falarás com ele no silêncio, de lábios fechados. Deixa falar o coração. Mas se alguém fizer questão cerrada de não aceitar a paz, se a todo o custo quiser brigar, responda-lhe pacientemente: "Dize o que quiseres; odeia o quanto quiseres; despreza à vontade: nem por isso deixas de ser meu irmão; irmão mau, irmão briguento, sim, mas sempre irmão..."

Andam por aí muitos faladores, mas corretos na fé. Nada mais fácil do que afirmar ou persuadir-se a si mesmo de haver encontrado a verdade: isto é dificílimo, na realidade! Queira Deus conceder-nos sentimentos de paz e um espírito tranqüilo, que antes procure sanar do que aniquilar! Vociferar contra homens de outro credo é próprio daqueles que não sabem o quanto é trabalhoso encontrar a verdade e o quanto é difícil preservar-se do erro.

Vociferem contra eles os que ignoram como é raro e penoso suplantar as complicadas imaginações humanas pela clareza de uma mente piedosa. Vociferem contra eles os que desconhecem a dificuldade que há em purificar a vista do homem interior, para que se capacite a ver o seu sol, o sol da justiça. Vociferem contra eles os que não sabem quantos gemidos e suspiros custa apanhar ao menos um tênue clarão do conhecimento divino. E, finalmente, vociferem contra eles os que nunca sucumbiram à ilusão do erro! Eu, francamente, sou incapaz disso.

"Forçoso é que haja dissensões", diz o apóstolo. Com demasiada indolência procuraríamos a verdade, se ela não tivesse adversários. Muitas coisas que fazem parte da fé católica devem primeiramente ser impugnadas pelas paixões irrequietas dos hereges, para que, depois, sejam apreendidas com maior clareza e realçadas com maior precisão. A questão tratada pelo adversário, torna-se estímulo para uma compreensão mais profunda. Assim, os hereges, por sua atitude hostil, trazem proveito aos membros verdadeiros católicos do corpo do Cristo. Deus se serve também dos maus. Por isso, a Igreja deve trilhar o seu caminho até o fim, entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus. O aguilhão do temor, o tormento da dores, o peso dos trabalhos, o perigo das tentações: tudo isso, para ela, redunda, no mundo presente, em educação e purificação".

Sto Agostinho.

Sermões, 357, 240, 51

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