11.12.02

Dez de Dez.
ou
A Morte da Figueira
ou ainda
O Ano Novo de Paulo Polzonoff


Este texto tem muitos títulos. Pensando rapidamente, surgiram estes três. Ao longo do tempo, tenho certeza de que me ocorrerão outros, e a cada leitor outros mais. É um texto sobre fins e inícios. Sobre vida, morte e a possibilidade de renascimento.

Hoje é dia 10 de dezembro de 2002. Durante a manhã, uma figueira centenária logo atrás do meu prédio caiu, talvez devido às chuvas que não param de cair, talvez por cansaço de viver, talvez por pura maldade (nunca fui muito com a cara daquela árvore, ela sempre me pareceu sombria e malvada). À tarde, meu amigo Paulo Polzonoff (http://polzonoff.blogspot.com) foi enfrentar em juízo uma ex-namorada, que o processava.

Durante este dia, sem energia elétrica -- porque a tal figueira fez questão de morrer espetacularmente, derrubando três postes e deixando a vizinhança sem luz por doze horas --, o jeito foi comprar umas pilhas, escrever e escutar música no discman. Num dia de chuva, com uma árvore tão antiga a sangrar seiva, lentamente picotada pelas serras, só havia uma coisa a fazer: escutar Pink Floyd.

Algumas pessoas nem ligam, mas é duro para mim ver uma árvore morrer. Mesmo aquela figueira, que parecia saída de um pântano de filme de terror, cheia de longas barbas. Mas ela tinha seus predicados, protegia a janela do meu quarto dos raios mais fortes do sol da manhã, abrigava muito da passarinhada da região e era o local onde um casal de falcões peregrinos tinha seus filhotes todos os verões. Com certeza, muitos animais vão ficar sem abrigo. A própria paisagem da janela do meu quarto foi drasticamente alterada pela ausência desta árvore. Neste aspecto, acho que ganhei mais céu... Mesmo assim, tem sido, ao longo da tarde, bastante deprimente escutar o barulho da figueira sendo recortada pelas serras elétricas, barulhentas e impiedosas, aguardando notícias do meu amigo Paulo.

Paulo, querido, que alívio que tudo correu bem! E que perseguição implacável estas mulheres loucas fazem a você! Eu ainda não entendo como alguém que compartilhou da sua intimidade possa ter o desplante (com trocadilho, sem trocadilho, como ele mesmo diz; pobre figueira!), como dizia, o desplante de levar você aos tribunais. E ainda por cima por um motivo que é mais que fútil, é maldoso: ela, como sua antiga psicóloga e ex-namorada, acusá-lo de ameaça de morte por causa do conteúdo de um conto seu, escrito logo após o fim de seu relacionamento!!

Ah, meu amigo, vivemos em uma época rude, cheia de analfabetos funcionais, que acham que sabem ler só porque a tia Maricotinha lá do grupo escolar (primário, ensino básico, ensino fundamental, como queira) disse em algum lugar do passado que mais á é . Sim, mais á é , mas este pode ser tanta coisa! Certamente que o seu não é a agressão que esta mulher diz que é, a mim parece apenas uma balada triste sobre o final trágico de um amor, que se quedava sangrando em seus braços. Mas esta senhora sabe disto, não sabe? Você sabe que o que estava morrendo ali era o SENTIMENTO, não sabe, ó discípula da Tia Maricotinha?

Porque a realidade é que as coisas MORREM mesmo, quando chega a sua hora, desde amores em botão até figueiras centenárias, e é assim mesmo que tem de ser. Tudo o que vive mais que deveria -- e isto às vezes acontece -- se transforma em fonte de aborrecimento e desgosto. Quando as coisas acabam na hora certa, deixam atrás de si um sentimento agridoce, uma tristezazinha gostosa, que de vez em quando vale a pena recordar. Pensando por este lado, acho que a figueira foi então na hora certa, pois já sinto um pouco de nostalgia quando olho o vazio deixado por ela. Já sinto saudades, mesmo daquela árvore mau-humorada.

Já a ex do Paulo alongou artificial e grosseiramente o final de um amor, tornando o seu enterro um longo e macabro velório que -- muito felizmente para a paz de espírito do meu amigo -- acabou hoje no tribunal. Esta morte, tenho certeza, está sendo comemorada não só em Curitiba, mas em toda parte onde haja amigos do Paulo. E amanhã, após a tradicional pá de cal, vamos todos relegá-la ao mais profundo esquecimento, que é mais do que ela merece!

Falando com Paulo, hoje mais cedo, ouvi um aliviado: "vou sair e comemorar o Ano Novo, porque meu ano acabou hoje!" Sim, querido, agora que a Morte finalmente chegou, é hora de renascimento! Vá curtir o seu ano novo, que você merece um novo ano cheio de amigos novos (Mentecaptos, ho!, hehehehe) e de um amor tranquilo, que dê bons frutos.

Eu vou ficar aqui, na janela, lembrando dos piadinhos dos jovens falcões dentro da copa cerrada da figueira, olhando o céu geralmente azul do rio, agora tão nublado, e vendo minha amiga mangueira ficar dia-a-dia mais frondosa, agora que não precisa mais disputar a luz do sol. É, a vida é assim...

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