20.12.05

I believe I can fly

Tenho estado ausente. Não ausente em espírito, simplesmente ocupada demais para sentar e escrever aqui algo que faça sentido escrever. Nunca fui de escrever no blog para cumprir agenda. Quando não tenho algo a dizer, simplesmente me calo, e meus leitores - os que ainda têm paciência de vir aqui espiar :) - sabem que têm três anos de histórias para reler e relembrar. Assunto é que não falta!

Hoje, no entanto, tive vontade de passar aqui para dizer que está tudo bem. O tratamento de radioterapia de meu pai já se encerrou, o de quimio está na reta final. Ele se recupera lentamente, tanto do tratamento (sofrido, tudo isso... tonteiras, quedas, febre, falta de apetite, mau humor...) quanto, parece, do câncer. Estamos otimistas. Não está tudo bem, entretanto, porque há a possibilidade concreta de uma sobrevida longa e tranquila para ele; está tudo bem porque eu achei dentro de mim um centro de serenidade que nunca havia descoberto antes. Isto significa que, o que quer que aconteça, estará sempre tudo bem.

Esta fé na minha serenidade interior, esta certeza na minha capacidade de lidar com o que a vida me apresentar, é uma conquista importante, e algo que gostaria de dividir com vocês neste Natal que se aproxima. Aconteça o que acontecer na vida de cada um de vocês, lutar, ranger os dentes, ter revolta ou dar margem a desespero não resolve NADA. NUNCA. Silenciar e escutar a voz do coração, a Voz do Alto no canto mais sossegado da sua mente, isto ajuda muito.

Não tenho capacidade poética ou inspiração divina para escrever um Magnificat, como fez a Virgem; mas, pedindo ao Pernalonga emprestado uma musica bonitinha e despretensiosa do R. Kelly, e agradecendo ao Magic Johnson o exemplo, eu digo piscando o olho: eu REALMENTE acredito que posso voar!

Beijo, amo vocês. Volto no Natal!

"I Believe I Can Fly

I used to think that I could not go on
And life was nothing but an awful song
But now I know the meaning of true love
I'm leaning on the everlasting arms

If I can see it, then I can do it
If I just believe it, there's nothing to it

I believe I can fly
I believe I can touch the sky
I think about it every night and day
Spread my wings and fly away
I believe I can soar
I see me running through that open door
I believe I can fly
I believe I can fly
I believe I can fly

See I was on the verge of breaking down
Sometimes silence can seem so loud
There are miracles in life I must achieve
But first I know it starts inside of me, oh

If I can see it, then I can do it
If I just believe it, there's nothing to it

Hey, if I just spread my wings
I can fly
I can fly
I can fly, hey
If I just spread my wings
I can fly"

14.11.05

Sem pretensão de ser nada além de uma pessoa que publica seu coração online.
Sem vontade de parecer nada além do que eu realmente sou.
Sem paciência para ego nenhum, nem o meu nem o dos outros.
Sem medo de nada a não ser de me perder no caminho.

Hoje eu quis vir aqui, sem ter muito o que falar, sem nenhuma obrigação de apresentar para vocês asas iridescentes ou pó de pirlimpimpim. Meu pai está muito doente e eu estou muito cansada. Mas a vontade de vir aqui permanece, este meu sentimento de curiosidade profunda a respeito de quem está aí, do outro lado desta tela iluminada...

Uma adolescente pensando que achou uma amiguinha
(achou sim, lindinha)...

Um serial killer pensando em fazer angú de borboleta
(um peteleco no seu nariz!)...

Uma pessoa sozinha pensando em suicídio
(pára de merda e vem conversar)...

Um amigo distante em busca de notícias
(você tem meu número de telefone)...

Um inimigo antigo em busca de regozijo
(fique à vontade!)...

Um estranho que já foi meu melhor amigo
(siga em paz, querido)...

Um estranho que ainda vai ser a pessoa mais importante da minha vida
(você está atrasado!)...

Um blogueiro preguiçoso em busca de plágio
(ih, nem tente, poucas pessoas têm força para ser eu; publique um gif animado e deixe para escrever amanhã)...

As reticências são tantas que o interesse pelo que acontece (e eu não fico sabendo) me mantém vindo aqui, mês após mês. Não há tristeza, alegria, sofrimento ou felicidade que me distraiam do interesse pela vida que eu sinto fluir subterrânea. Aqui ou no meio da madrugada, namorando a lua.

Que, aliás, está me chamando.

Beijo em todos, menos no serial killer. Aiaiai, menino, que coisa feia! Vá arranjar algo de útil para fazer!

5.11.05

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Num quarto de hospital



Cinco e quinze da madrugada do quarto dia do mês de novembro. Na escuridão do quarto de hospital, escuto a porta abrir e a enfermeira plantonista avisar "vou acender a luz" e dar um "bom dia!" alto e alegre - um décimo de segundo antes da forte luz fria ferir meus olhos e os do meu pai, que ainda estava profundamente adormecido.

Era apenas para medir a pressão e a temperatura, o que poderia ter sido feito tranquilamente duas horas depois, quando o bom dia teria feito mais sentido. Efetuadas as devidas mensurações, a ensolarada plantonista deixa o aposento, acompanhada do olhar mais assassino do meu pai. Com um resmungo rouco, que eu suspeito ter sido um palavrão cabeludo, ele se ajeita na cama e volta a adormecer.

Meu sono, no entanto havia sido definitivamente encerrado pelo feliz sadismo da enfermeira. Totalmente desperta, sento na cama; levanto; vou ao banheiro; bebo água; torno a deitar; reviro na cama; desisto e levanto novamente.

(Enquanto isto, lá fora, o escuro estava pontilhado de milhares de pequenas estrelas de luz elétrica, que ofuscavam as estrelas do céu, já parcialmente encobertas pelos restos mortais das nuvens que tomaram conta do dia anterior. A névoa que acompanhava as nuvens, entretanto, já havia sumido, e o ar da noite estava claro.)

Neste tempo que passei no hospital não havia muito a fazer a não ser oferecer apoio moral e logístico a um pai tomado de mau-humor por estar internado. Este é o sinal mais claro de que ele está melhor a cada dia, e respondendo muito bem ao tratamento. Sempre fico nervosa quando o vejo meu genioso pai quietinho e aceitando passivamente o que acontece com ele. Isto aconteceu no princípio do tratamento, mas graças ao bom Deus ele é forte e está determinado a ficar bom, e a passividade sumiu. O que parece ser metade do caminho andado.

A falta de muita coisa a se fazer além de esperar, somada à necessidade de ficar reclusa no quarto do hospital - tanto para ajudar meu pai quanto para evitar os vírus e bactérias muito malvados que povoam os corredores do hospital - me fizeram liberar a mente para vagar onde ela quisesse. Não havia coisa alguma para ela fazer lá, e ela merecia - já que o corpo estava preso àquele quarto - a oportunidade de fugir por alguns instantes.

Não é engraçado como as coisas funcionam? A danadinha da minha mente, de posse da liberdade para ir onde quisesse - podendo ir às estrelas e voltar, nadar no mar do Caribe ou mimar-se de qualquer forma que lhe fosse mais prazerosa - preferiu voltar àquele quarto de hospital e meditar sobre seu parceiro cativo, o meu corpo.

(Pela janela do quarto podia ver a aurora tomar vagarosamente conta do céu. Certamente que é um privilégio estar num hospital que fica numa ilha no meio da Baía de Guanabara, e poder ver os perfis montanhosos de Niterói e do Rio ligados por esta enorme ponte, que parecia naquele instante um traço negro a sublinhar os amarelos e malvas do amanhecer. O mar escuro lentamente ficava azul-acinzentado. O céu se transformava numa pintura de Monet, e parecia um presente especial para mim. Um pássaro que não reconheci pelo canto conclamava e instigava todos os outros a saudar a chegada do sol. O dia já parecia que teria a beleza que realmente teve, e foi me visitar de antemão, naquele lugar triste. Tudo, mas TUDO mesmo tem seu lado bom.)

Tamanha imobilidade me é incomum. Talvez isto tenha feito com que eu notasse coisas que normalmente me passam despercebidas. Quando corro aqui e ali, cumprindo as mil e uma tarefas que minha rotina exige, mal noto meu corpo. Ele é a paciente mula de carga - o "irmão jumento", como diria São Francisco de Assis a respeito de seu próprio corpo - que mansa se submete a tudo que minha inquieta mente cisma de fazer. Só neste momento de parada forçada, quando não há possibilidade de inventar coisa alguma para meu corpo fazer, nem de forçá-lo a correr para lá e para cá, voltei-me para ele e o observei de forma mais atenta.

Lembrei-me - sou a rainha da idiossincrasia, parece - que minha irmã tem um amigo que vive em função de seu fetiche por mãos e pés. Ele tem um site sobre este tema, e realiza festas e eventos para seus... eh... correligionários. Este rapaz é respeitosa e reverentemente apaixonado pelas mãos e pés de minha irmã. É até justo que seja, minha irmã tem mesmo pés bonitos e arqueados, tornozelos bem torneados, mãos de dedos longos com unhas também longas e cuidadosamente tratadas todas as semanas, geralmente pintadas de vermelho. Que ele vive implorando para fotografar para seu site.

Examinando com olhar crítico meus próprios pés e mãos, tinha dúvidas se fariam o deleite de alguém com tal fetiche - apesar de saber que o fetiche é, por definição, inexplicável e ilógico. Não que meus pés e mãos sejam feios, porque não acho que sejam. São fortes, sem muita delicadeza.

Eu tenho muitos aspectos de meu corpo que são delicados - um rosto suave, um sorriso bonito, uns olhos verdes que expressam muita doçura, uma pele macia e cheirosa, uma voz que um amigo querido uma vez definiu como "voz de menina" - mas meus pés e mãos não estão entre estes atributos delicados. Eles estão em outro grupo de características físicas minhas que posso dizer que são quase viris - a maneira rápida e decidida como ando, a minha gargalhada estrondosa, minha juba de cabelos rebeldes.

(O sol já havia feito sua entrada triunfal no dia, terminando de rasgar a cortina de farrapos das nuvens do dia anterior, sendo solenemente anunciado por um galo-arauto das redondezas. O pássaro desconhecido continuava sua cantoria, mas agora apenas pontuava a algazarra dos bem-te-vis. O Rio de Janeiro é mesmo um lugar especial...)

Pois é, não acho que meus pés e mãos ficariam bem estáticos, numa foto em um site. Eles são prosaicos demais, visualmente inexpressivos. Minhas mãos são quadradas, não alongadas, meus dedos são curtos e gorduchos. Os pés são pouco arqueados, os tornozelos um tantinho grossos demais. Seu momento de beleza acontece quando estão em movimento. São pés e mãos que agem, trabalham e cuidam, não têm muito valor parados.

Meus pés agradam de modo intenso minha gata, pois ela adora que eu os estenda no ar para que ela possa esfregar sua maciez peluda neles. Temos um ritual matinal: quando acordo, ela já me aguarda na saída do quarto, e oferece imediatamente a barriga para o afago. Perfeitamente adestrada por ela, esfrego meu pé em seu pêlo, o que faz com que ela de pronto o abrace com as quatro patas, dando lambidas e mordiscadas amorosas nele. Depois ela dispara na minha frente em direção à cozinha e ao seu desjejum. Alimentada, ela novamente se esfrega em minha pernas e pés, num sinal de gratidão, e finalmente permite que eu tome meu café da manhã sossegada.

Meus pés são assim, são pés próprios para serem usados numa carícia. Quando não há outro uso para eles, os dois me mantêm estabilizada e firmemente plantada no chão. São pés firmes, seguros, que não me deixam tropeçar.

Da mesma forma são as minhas mãos: unhas mantidas curtas, pois quebram com facilidade, dedos ágeis e fortes, marcados pelos inúmeros pequenos cortes e queimaduras de mais de vinte anos na cozinha. Minhas mãos, tampouco, são bonitas em repouso. Elas se tornam bonitas quando trabalham; são velozes e capazes manuseando uma agulha de crochê ou fatiando frutas e legumes; são delicadas e precisas quando desenham ou quando costuram. São mãos amorosas com sua dona e - como os pés - sempre prontas para o carinho. Têm, os pés e as mãos, a mesma pele macia do resto do corpo, que nenhum produto de limpeza ou sapato apertado parece ser capaz de engrossar.

A conclusão a que cheguei - com o sol firme no céu e a madrugada definitivamente encerrada pela manhã - é a de que meu corpo, seus pés e mãos e olhos e voz e ouvidos, é bom. Ágil, forte e bonito quando se move, ele todo é uma acolhida e um aconchego, o que deixa meu espírito sereno e contente, pois é isso mesmo que desejo ser.

Decidi, nestas horas de meditação, que amo meu corpo. Ele é meu auxiliar e meu cúmplice nestes caminhos tortuosos que percorro. Quase nunca reclama dos maus-tratos que imponho a ele, e reage com alegria e prazer a cada pequeno agrado. Meu corpo, na verdade, é capaz de sobreviver com muito pouco, mas também decidi neste período que antecedeu a manhã do último dia desta - esperamos, esperamos, rezamos e pedimos - última internação de meu pai que ele precisa de mais.

Saí daquele hospital determinada a diminuir os maus-tratos o quanto puder, e a cuidar melhor desta minha mula querida. Quero torná-la a cada dia mais capaz, mais forte e mais veloz - e mais bonita e feliz - para que ela possa acompanhar com passo leve a minha mente a cada lugar que ela decidir ir.

Acho que também estou reagindo bem ao tratamento de meu pai...

21.10.05

Maratona

Queria que a vida tivesse botão de slow motion, ou o maravilhoso botão de pause que os aparelhos eletrônicos têm. Que sensato dos engenheiros de pensar que muitas vezes a velocidade com que andamos tem de diminuir ou mesmo parar por um instante. Mas não se acha o tal botãozinho em lugar algum do corpo ou da alma... o que me obriga a manter o passo, sem correr demais nem de menos, procurando o ritmo que vai ajudar a chegar ao fim desta corrida sem morrer no final, como o pobre mensageiro da batalha de Maratona.

Estabelecer rotinas novas sempre é complicado, principalmente quando a nova rotina é um tratamento que é quase pior que a doença que ele tenta curar. Para respirar com o peito menos apertado, reparo no pouquinho mais que ele come, no olhar e no passo um tantinho mais firmes, já sem a fraqueza debilitante da quimioterapia. Reparo que ele sorri um tantinho mais, assiste TV com um tantinho mais de interesse. Hoje quis sair a pé um pouquinho pela vizinhança, e nunca antes fiquei tão feliz em descer minha rua... mesmo só aquele pouquinho.

De pouquinho em pouquinho, passo a passo, um dia de cada vez. Sim, este é o mantra que quero usar - eu, que não costumo usar mantras de espécie alguma - para acertar o passo para a longa corrida:

Um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez...

1.10.05

Sossego

A maioria das pessoas equaciona sábado à noite com farra de algum tipo fora de casa. A banda Cidade Negra tem inclusive uma música que fala sobre isso, bastante animada. Nada contra sair sábado à noite, já fiz muito isso e acredito que farei de novo ainda muits vezes.

HOJE, no entanto, estou mais que feliz de estar em casa, quietinha no meu quarto, escutanto papai assitir televisão na sala e de vez em quando levantar e levar até ele um copo de suco, ou chá, ou água de coco. É bom saber que ele está aqui, ao alcance do meu amor, do meu toque, do meu cuidado. Saber que ainda não chegou a hora de não ser mais possível fazer tudo isto. Essa hora que todos sabemos que vai chegar para cada um de nós, mas que está assinalada como um lembrete na pele do peito dele, naquele X marcado pela médica para guiar a radioterapia.

Mas agora, agora não tem radioterapia, nem quimioterapia, nem cabelo caindo nem fraqueza ainda, tem meu paizinho sentado na sala, calmamente vendo um filme policial, enquanto eu vigio de longe, teclando no meu quarto. Tem o sossego de estarmos aqui, em paz, neste momento. Eu não troco isto por nada.

Haverá muita saída aos sábados por muito tempo ainda, creio eu, mas não há outro lugar no mundo que eu prefira estar agora que aqui. Queria que este momento se esticasse, esticasse, por dias e meses.

O tratamento, para melhor ou pior, começa segunda-feira.

28.9.05

"Adeus vou-me embora (trecho)
Clarice Lispector


Como? Mas como é que eu escrevi nove livros e em nenhum deles eu vos disse: eu vos amo? Eu amo quem tem paciência de esperar por mim e pela minha voz que sai através da palavra escrita. Sinto-me de repente tão responsável. Porque se eu sempre soube usar a palavra - embora às vezes gaguejando - então sou uma criminosa se não disser, mesmo de um modo sem jeito, o que quereis ouvir de mim. O que será que querem ouvir de mim? Tenho o instrumento na mão e não sei tocá-lo, esta é a questão. Que nunca será resolvida. Por falta de coragem? Devo por contenção ao meu amor, devo fingir que não sinto o que sinto: amor pelos outros?

Para salvar esta madrugada de lua cheia eu vos digo: eu vos amo.

Não dou pão a ninguém, só sei dar umas palavras. E dói ser tão pobre. Estava no meio da noite sentada na sala de minha casa, fui ao terraço e vi a lua cheia - sou muito mais lunar que solar. E uma solidão tão maior que o ser humano pode suportar, esta solidão me toma se eu não escrever: eu vos amo. Como explicar que me sinto mãe do mundo? Mas dizer 'eu vos amo' é quase mais que posso suportar! Dói. Dói muito ter um amor impotente. Continuo porém a esperar."

(crônica publicada em 20 de abril de 1968 no Jornal do Brasil, e republicada no livro A Descoberta do Mundo, Ed. Rocco, páginas 95-96)


Mais uma vez, Clarice. Essa mulher que é tão diferente de mim quanto pode ser uma mulher de outra. Ela, que carrega altiva a tristeza eslava mesclada à melancolia nordestina. Eu que carrego entre risos e gritos e lágrimas a impulsividade italiana mesclada à irreverência carioca. Ela alta, esguia, 'com ares de princesa egípcia', como um dia escreveu em outra crônica. Eu baixa - não tão baixa para este país de pessoas desnutridas, mas baixa se comparada à juventude com quem lido em sala de aula - gorducha, muito pouco preocupada em parecer princesa de qualquer espécie.

Duas mulheres muito, muito diferentes. Como pode ser que cada palavra das crônicas desta mulher tão diversa me suba aos olhos como algo que vem do lugar mais fundo e íntegro do meu próprio coração? As noites que ela passou insone, passo eu insone hoje; as madrugadas que eu e ela fomos à janela, para a conversa silenciosa com nossa amiga lua. Falamos coisas díspares, isso é certo, completamente diferentes em nosso relacionamento com esta lunar amiga das mulheres noturnas. No final, no entanto, tudo muito parecido.

Tenho certeza que o que Clarice considera 'ser mãe' é tão contrário à minha maternidade interna quanto nosssas vidas e personalidades são antagônicas.

Mas é nessa maternidade que convergimos, não é Clarice? Pois é.

Neste amor que rasga a alma, que dói muito, que dói sem promessa de jamais parar de doer, não é Clarice? Pois é.

Neste amor impotente, sem força, sem capacidade de nada - a não ser continuar a esperar -, não é Clarice? Pois é.

Clarice já não espera mais. O que quer que seja pelo que esperava, conquistou. Cabe a mim agora meu quinhão de lua na janela, de insônia, de espera. Eu sento, então, e espero. Não é Clarice? Pois é.

10.9.05

Minha Mãe Maria




2005 A.B. (antes da biópsia)

"- Seu pai parece ter um tumor no pulmão esquerdo conhecido como carcinoma de células pequenas; também parece já haver uma neoplasia no linfonodo esquerdo da área do mediastino.

- E o que se faz, doutor?

- Está nas mãos de Deus."


2005 D.B. (depois da biópsia)

"- E então, doutor?

- Não era o carcinoma de células pequenas, mas um outro tipo, chamado de carcinoma de células pouco-diferenciadas.

- E agora?

- Ah, seu pai é forte, ele está bem clinicamente, tem todas as condições de encarar este problema e ter sucesso.

- Ou seja, continua nas mãos de Deus."


Há uma cena no filme Casa dos Espíritos que me toca especialmente. A filha, representada pela atriz Winona Ryder, está largada no chão de uma cela, depois de ser barbaramente torturada pela polícia política. Abusada, machucada, quase destruída. O espírito de sua mãe já morta, a maravilhosa Meryl Streep, vem ter com ela, e lança sobre ela uma bênção. Aquela bênção é o necessário para que a moça resista e sobreviva àquela situação pavorosa.

Nunca fui fisicamente torturada, como imagino que a maioria dos meus leitores também não. Mas não duvido que quase todos já tenham passado por alguns períodos de sua vida emocional em que se sentiram abusados, machucados, quase destruídos. Nestes momentos, eu também sinto a alma de minha mãe Maria Helena pertinho de mim, lançando seu amor e sua bênção sobre minha cabeça cansada, dando com o gesto de carinho a força que eu preciso para resistir. Por que a vida não necessita apenas de força, que é algo que eu tenho. É preciso também resistência e perseverança para que a luz que possuímos em nosso coração não se torne definitivamente em profunda sombra.

Por isso, agora, do fundo do meu coração, eu peço: Mãe Maria, vem até mim!


Let It Be (Lennon / McCartney)

When I find myself in times of trouble
Mother Mary comes to me
Speaking words of wisdom, let it be.
And in my hour of darkness
She is standing right in front of me
Speaking words of wisdom, let it be.
Let it be, let it be, let it be.
Whisper words of wisdom, let it be.

And when the broken hearted people
Living in the world agree,
There will be an answer, let it be.
For though they may be parted there is
Still a chance that they will see
There will be an answer, let it be.
Let it be, let it be, let it be. Yeah
There will be an answer, let it be.

And when the night is cloudy,
There is still a light that shines on me,
Shine on until tomorrow, let it be.
I wake up to the sound of music
Mother Mary comes to me
Speaking words of wisdom, let it be.
Let it be, let it be, let it be.
There will be an answer, let it be.
Let it be, let it be, yeah, let it be.
Whisper words of wisdom, let it be.

30.8.05

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Desejos



Se eu soubesse o que é preciso para acalmar seu coração.

Se eu tivesse a força sobre-humana que você pensa que eu tenho.

Se apenas você entendesse que este amor que tudo entende e tudo aceita é – além de sincero, forte e eterno – uma tentativa de mostrar a você como se deve amar.

Se eu conseguisse fazer você entender que a minha serenidade vem da aceitação do que é, sem tentar mudar a realidade à minha volta; é apenas lucidez.

Se eu pudesse, apenas por um momento, fazer você olhar o mundo através dos meus olhos, se enxergar como eu o enxergo, enxergar o mundo com menos medo e mais interesse e alegria.

Se ao menos esta RAIVA toda fosse embora daqui de volta para onde veio.

Se nós, que já conquistamos tanto juntos, pudéssemos também conquistar tudo isto.

Se fosse possível ignorar o mundo louco e malvado que faz com que o amor sem limites assuste os que estão em volta.

Se eu não estivesse tão absorta em juntar minhas forças para a longa batalha que sabemos que está para chegar.

Se ao menos você fosse um pouquinho mais seguro de quem você é.

Se Deus tivesse permitido que eu nunca escutasse a palavra câncer.

Se Ele tivesse dado a você uma mãe amorosa como a minha.

Se ao menos – ao menos isso! – nós conseguíssemos hoje, apenas desta vez, dormir em paz…

Ah, seria tão bom!


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Tonight
Elton John

Tonight
Do we have to fight again
Tonight
I just want to go to sleep
Turn out the light
But you want to carry grudges
Nine times out of ten
I see the storm approaching
Long before the rain starts falling

Tonight
Does it have to be the old thing
Tonight
It's late, too late
To chase the rainbow that you're after
I'd like to find a compromise
And place it in your hands
My eyes are blind, my ears can't hear
And I cannot find the time

Tonight
Just let the curtains close in silence
Tonight
Why not approach with less defiance
The girl who'd love to see you smile
Who'd love to see you smile
Tonight

27.8.05

Tem dias que o sol me faz borboleta. Eu olho este céu azul do Rio, intenso com a luz dourada do sol daqui, e me dá vontade de voar em cabriolas como a mais baldia e pequena das borboletas amarelas. Voar em volutas, em elipses, em exclamações. Alguns dias exigem que eu seja uma borboleta-manhã.

Outras vezes, o sentido agudo da beleza-triste me faz borboleta. Uma borboleta toda negra, com um único pingo de cor intensa, carmim, como um grito de alerta. Nestes dias eu me quedo silenciosa e cheia de presságios. Nestas vezes tenho de ser uma borboleta meia-noite.

Vez ou outra, é a poesia que me torna borboleta. Vez ou outra, a borboleta azul invade a alma como se pousasse numa flor, num lento abre-fecha-abre de grandes asas transparente-aveludadas. É imperioso que - vez ou outra - eu seja a borboleta que aparece de repente, num rasgo de sol da tarde, declamando poesia.

De vez em quando, ah, de vez em quando eu encontro você. Você me faz borboleta. Uma borboleta monarca, quente, laranja, absoluta em minha necessidade de resvalar minhas asas num suave beijo de pestanas pelo seu queixo moreno. Tangenciar num toque leve, leve, a linha do seu pescoço. Derreter e me pingar inteira em sua pele, cobrindo com meu vôo seu território. De vez em quando. Ahh... de vez em quando. Mesmo em pleno inverno. Mesmo no meio da madrugada. Sua presença me transforma numa rainha com asas de borboleta.

14.8.05

"O Intransponível (Clarice Lispector)

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de táxi. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. que importava se um dia sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvara era uma bolsa velha de senhora, com a alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafiando. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o supenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com os olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás."

(Publicado originalmente em 25/10/1969 no JB, republicado no livro A descoberta do mundo, Ed. Rocco, página 243)


Encontros assim acontecem, estes momentos marcantes que surgem diante de nós, como esta aparição canina e ruiva que era a resposta às preces da menina ruiva. Alguns deles são momentos que apontam mudanças definitivas na nossa vida, um daqueles marcos existenciais que balizam as mudanças de trajeto. Alguns outros, talvez mais preciosos, são clarões que iluminam nossa vida por um instante, fadados a desaparecer, ainda que não fadados ao esquecimento.

Ah, moreno de olhos doces de basset, eu nem percebi você chegar, não sei por quanto tempo você fica, nem mesmo se este nosso encontro deve durar. Mas estou muito, muito feliz por você ter parado nesta esquina, neste momento, tenha me olhado com estes olhos e me feito sonhar.

Tudo o que eu quero agora é uma razão que te faça ficar.

6.8.05

Mudanças

Que a vida dá muitas voltas é uma frase que, de tão repetida, virou um sinal para olharmos para cima e revirarmos os olhos em desespero. É, mas acontece que a vida dá muitas voltas mesmo. Um exemplo? Quando o Asa começou, em 2002, a Internet era uma variável ainda por conhecer para mim. Cometi muitos erros, passei por situações de uma gama variadíssima de humores, ganhei amigos para a vida toda, conheci pessoas que se perderam na poeira da estrada.

Agora, neste agosto em que o Asa completa seu terceiro ano de existência e inicia seu quarto ano online, eu me flagro, de forma surpreendente, resgatando um pedaço da minha vida que abandonei meio a contragosto aos 24 anos, e iniciando uma atividade profissional nova: a publicitária Assunção Medeiros se reuniu com o talentosíssimo designer, grande amigo e agora sócio Bruno Schweller, e desta paceria surgiu a Quimeras Design.

O filho novo absorveu a Borboleta, como todo recém-nascido, de forma que o Asa ficou um tanto abandonado por uns tempos, para minha tristeza. Mãe amorosa tem sempre amor suficiente para todos os filhos, e o abandono do meu casulo azul estava me causando dor. Como presente de aniversário, e um pedido de desculpas a meus leitores, uma cara nova. Aliás, mais de uma: aproveitando a deliciosa tecnologia das CSS - que nos dá a possibilidade de trocar os estilos da pagina sem trocar o conteúdo - durante as próximas semanas o Asa vai ganhar, a cada sábado, uma cara nova.

E o melhor de tudo: não, não vou ficar trocando de template a cada semana, e sim ADICIONANDO um template novo a cada sábado. Quero fazer pelo menos três em agosto, e meus leitores vão ter a partir de então a possibilidade de escolher a borboleta que mais os encanta, ou de borboletear livremente entre elas. E a Sue não vai mais sumir da sua casa virtual, mesmo que tenha outras casas virtuais para construir por aí.

Entrem, fiquem à vontade, e vamos construir mais um ano de lirismo neste espaço um tanto árido da Net.

Beijos azuis de aniversário!

1.7.05

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Este Post não tem Título



Um belo dia de janeiro de 1965 eu abri os olhos pela primeira vez. Não lembro nada deste dia, mas tenho certeza de que os olhos verdes de folha nova de minha mãe estavam grudados em mim, e que ela provavelmente fez a maior festa quando percebeu que meus olhinhos de cor indefinida – mudando de verde intenso para cinza-azulado até hoje, a seu bel-prazer – estavam tentando se fixar nela.

Minha avó, esta cabocla bonita da foto acima, já era uma velha bugra encarquilhadinha de quase oitenta anos, quatorze filhos, muitas alegrias e muitos sofrimentos nas costas. Ela em nada lembrava a moça altaneira desta foto. Olhar baço atrás de grossas lentes esverdeadas, ainda assim ela me ensinou a costurar e a fazer roupinhas para minhas bonecas, e fazia a mais delicada renda com agulhas de crochê.

À noite, antes de dormir, eu deitava minha cabeça naquele regaço magrinho e escutava bem compenetrada e quietinha minha avó rezar seu rosário. Eu achava lindo saber que minha avó podia conversar com Deus. Depois, ela abria um antigo livro entitulado “Estórias da Carochinha” e contava alguma traquinagem do Pedro Malasartes para mim. Finalmente ela me abençoava e me mandava para minha própria cama, para dormir.

Eu tinha pouco mais de cinco anos quando ela morreu. A mansidão dela ficou gravada na minha alma. Aliás, sua irmã mais nova, que ainda viveu muitos anos depois dela, minha tia-avó, era outra velhinha adorável, e pude usufruir de sua companhia até o final de minha adolescência. Tia Virginia tinha paciência e disposição para fazer qualquer coisa que eu pedisse. Dobrava as doloridas juntas, atacadas por reumatismo deformador, e sentava comigo no chão da varanda para brincar de massinha por horas a fio. Contava longas histórias sobre a fazenda onde cresceu com minha avó e seu irmão Sebastião, “que morreu menino ainda, picado de cobra”. Fazia biscoitinhos de polvilho só para me deixar moldá-los em forma de rosquinha ou apertar o garfo em cima dos redondinhos e deixar minha marca neles. Tia Vê foi quem me ensinou a ter alegria em cozinhar.

Minha avó paterna, que também se chamava Assunção, morreu faz três anos, aos noventa e sete. Ela era a elegante e vaidosa da família, italiana bonita da Calábria, pele aveludada e lisa até bem mais de setenta anos de idade. Ela cuidava com esmero desta pele, e eu sempre sabia que minha avó Assunta tinha chegado do Rio Grande para nos visitar quando abria a geladeira e via uma quantidade de potinhos de creme na porta.

Ela tinha duas covinhas lindas, e um furinho no queixo que meu pai também tem. Minha mãe contava que ficava apertando nossas faces e queixinhos de bebê na esperança que herdássemos as famosas covinhas da vovó. Esta não era nada encarquilhada, era uma mulher bela mesmo depois de muito entrada em anos, e eu me divertia muito com a vaidade mezzo-leviana, mezzo-inocente dela. Uma vez, quando ela já tinha seus oitenta e seis anos, eu fazia uma escova em seus cabelos já meio ralinhos, que ela nunca deixava de secar e enrolar depois do banho, e ela suspirou e disse: “Ai filha, tenho medo de não saber envelhecer...” Sorrindo, respondi: “Ah, vovó, nem se preocupe, você não vai passar por isto não.”

Ela passou sim, tadinha, da maneira mais cruel. Perdeu lentamente a visão e a mente, perdida entre as longas memórias do passado e o presente solitário, já há muito sem marido e sem o filho mais velho, seu grande companheiro, que também partiu anos antes dela. Morreu sozinha com a empregada, no apartamento onde morou por quase cinqüenta anos.

As mulheres de minha família costumam durar muito. Oitenta anos é uma idade razoavelmente normal para elas, que ainda estão fortes e lúcidas nesta etapa da vida. Não há caso de osteoporose na minha família, os órgãos costumam funcionar muito bem. Tudo dura muito tempo, e leva muito tempo para decair.

Tendo completado quarenta este ano, posso prever com uma certa tranqüilidade que tenho mais uns quarenta ou cinqüenta anos pela frente. Cheguei, portanto, na metade da minha vida. Sou, portanto, o que se chama de uma mulher de meia-idade.

O engraçado é que a menina que fazia biscoitinhos de polvilho com a Tia Vê ainda está aqui, e a moça de vinte e poucos anos que fazia escova nos cabelos da Vó Assunta ainda está aqui, e o bebêzinho que abriu os olhos desfocados para sua mãe ainda está aqui, e todas as outras Sues em suas idades e perplexidades, alegrias e medo ainda estão aqui, formando camadas e camadas de personalidade que vão se montando uma sobre a outra num mosaico complicado que só consigo entender de forma muito incompleta, incompleto que ele está.

E eu, que olho para dentro e vejo este mosaico multicor e complexo, que me fascina cada dia mais, descubro com surpresa que pessoas que me conhecem bem, que me amam, a quem amo muitíssimo, não conseguem ver nada disso. Vêem, isto sim, uma mulher fortona, que nunca fica com medo, que resiste a tudo, como uma boa e marrom mula de carga ou uma forte e marrom meia de varizes. Um ser utilitário e necessário, apesar de pouco atraente. O tipo de mulher que vira uma enfermeira ou uma English nanny, solteirona sem aparentes necessidades emocionais, fortes e estáveis, a quem os sarcásticos ingleses chamam sem muito cuidado de “The Old Battlewagon”.

Eu vejo isso, eu sofro com isso, porque sei das milhares de camadas sutis e diáfanas que minha alma tem, e sei que a força vem desta superposição, não apenas das muitas Sues, mas também de todas estas outras mulheres fortes e resistentes da minha família, que me moldaram, que estão dentro de mim e me dão força e estímulo cada vez que penso fraquejar.

Eu amo cada uma delas, cada etapa de Sue, cada olhar baço da Vó Calita, cada pequena vaidade da Vó Assunta, os olhos de folha nova da Mãe, as juntas deformadas da Tia Vê, sempre ocupadas em alguma tarefa da casa. Amo aquilo que elas me proporcionaram, e se quem está fora não consegue ver beleza nisto, eu lamento, porque é lindo de verdade.

Este post é para elas, para sua beleza comum que escondia uma profundeza e um abismo de maravilhas incomuns. Como toda mulher.

20.6.05

Alguns Post Scripts


Queridos todos,

Já peguei minha vida de volta, ela está firme em minhas mãos. Tudo corre muito bem, apesar de correr um pouco depressa demais para que eu possa escrever aqui o tanto que gostaria. Então, por enquanto, nada de posts, mas tem recado para todo mundo:

Minha Kitty, saudades! Que bom que voltou à net, fique um tempinho que eu já já tenho novidades bem legais...

Helô, nem preciso dizer que uma das coisas que me tornam uma pessoa feliz é ter você na minha vida, você, MC e o gato mais lindo do mundo. Avisa para a MC que quando estou muito triste, abraço o Supergato que ela me deu de presente, e fico mais feliz; quando estou tão contente que nem sei o que dizer para pessoas, eu abraço o Supergato e ele entende. Depois que meu gato de pelo e osso morreu, o supergato de pelúcia virou meu consolo e meu companheiro, e não estou nem aí de ter mais que passado da idade de dormir com bichinhos de pelúcia, durmo mesmo assim. :)

Dada, uma beijoca.


Minha Goonie, esteja à vontade, se largue numa almofada, pegue o livro que quiser, porque tudo aqui no Asa é seu. Se quiser ajuda para pegar sua vida de volta, manda avisar.

Alfredo, querido querido amigo. Não consigo dizer muito mais que isso, o coração transborda.

Evandro, meu irmão, saudades.

Clayton, LIGA!!!!

Stella, RÚSSIA?!?!?! :)

Amados todos, fiquem felizes. Eu estou bem, muito ocupada e volto agorinha

Beijos de borboleta

30.5.05

Explosão


Não há nada mais triste que perceber que aquela pessoa em quem depositamos as maiores confianças, os mais profundos planos, as coisas mais bonitas e sagradas, no fim das contas simplesmente não está interessado em nós os suficiente para tentar nos entender, quanto mais nos aceitar como somos. Tão melhor foi para ele construir um ícone que apertava cada vez que queria carinho/colo/atenção/proteção. Mais triste ainda é perceber que fui conivente com uma grande mentira. E naquele momento em que pensávamos que éramos uma dupla, que dois lutavam juntos por um mesmo ideal, ele e eu descobrimos que estávamos sós.

Entretanto, a grande maravilha de ser só, de ser UM, o milagre da libertação de todas as amarras, é que descobrimos que quando não há laços com pessoas determinadas, o mundo inteiro é nosso irmão, o universo inteiro é nosso para explorar, a vida é uma grande aventura, e ser de ninguém é ser livre para ser o que a vida sugerir que sejamos, a cada minuto. Pois que seja: sou um, mas nenhum outro um vai me impedir de ser o melhor um que este um pode ser.

Como diz a Joss Stone, estou pegando minha vida de volta.

Right to be Wrong (Joss Stone)

I've got a right to be wrong
My mistakes will make me strong
I'm stepping into the great unknown
I'm feeling wings though I've never flown
I've got a mind of my own
I'm flesh and blood to the bone
I'm not made of stone
Got a right to be wrong
So just leave me alone

I've got a right to be wrong
I've been held down too long
I've got to break free
So I can finally breathe
I've got a right to be wrong
Got to sing my own song
I might be singing out of key
But it sure feels good to me
Got a right to be wrong
So just leave me alone

You're entitled to yout opinion
But it's really my decision
I can't turn back, I'm on a mission
If you care don't you dare blur my vision
Let me be all I can be
Don't smother me with negativity
Whatever's out there waiting for me
I'm going to face it willingly

19.4.05

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Alla Finestra di San Pietro



Ah, que alegria! Deus proteja o novo Papa Bento XVI. Que ele continue a confirmar a Igreja na verdadeira Fé!

Deus é BOM!! :))

9.4.05

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Alla finestra della casa del Padre



A janela terrena está vazia, a figura que nos amparou, nos orientou e nos amou até seu último suspiro, descansa agora na silenciosa cripta onde repousa São Pedro. Mas, como disse tão maravilhosamente bem o Cardeal Ratzinger, ele agora nos olha e nos abençôa da janela da casa do Pai. Desta janela ele nos vê com mais clareza, e intercede por nós com mais eficácia.

Agora é rezar por sua alma, para que seu descanso eterno seja cheio da graça que ele merece, e pedir a Deus que guie a mão dos cardeais que vão ser responsáveis por encher novamente a janela que hoje se queda vazia.

2.4.05

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"E nós sabemos que Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio. Porque os que de antemão Ele conheceu, esses também predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre muitos irmãos. E os que predestinou, também os chamou; e os que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os glorificou.

Depois disto, que nos resta a dizer? Se Deus está conosco, quem estará contra nós? Quem não poupou seu próprio Filho e o entregou por todos nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele? Quem acusará os eleitos de Deus? É Deus quem justifica. Quem condenará? Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que ressuscitou, aquele que está à direita de Deus e que intercede por nós?

Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada? Segundo está escrito: 'Por sua causa somos postos à morte o dia todo, somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro'.

Mas em tudo isto, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou.

Pois estou convencido que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem a altura nem a profundeza, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, Nosso Senhor."


(Epístola de São Paulo aos Romanos, capítulo 8, versículos de 28 a 39)



Ontem, acompanhando a agonia do Sumo Pontífice, eu chorei, eu me compadeci, eu senti medo. Quem, ó Pai Eterno, pensava eu, quem nos socorrerá quando este nosso pai tão forte, mesmo em sua fragilidade, partir? Como poderemos manter a integridade de nosso coração sem o olhar atento e lúcido deste servo de Deus? Eu senti mesmo uma grande angústia, como toda a filha que está para perder um pai amantíssimo. Me perguntei muitas vezes o que faria sem ele

Deus nunca nos desampara, entretanto. Ao chegar de uma aula e saber do falecimento do Papa, liguei a televisão na Rai, que é uma das únicas emissoras que está fazendo uma cobertura razoavelmente decente do que é um momento doloroso para todos os católicos. Na Rai, o apresentador disse uma coisa que me enterneceu: o auxiliar mais próximo do Papa disse que sua última palavra foi "Amém".

Este Pai de todos os Cristãos, este pilar de força que resistiu ao nazismo, ao comunismo, a duas balas no abdomem, ao Mal de Parkinson, aos inimigos da Igreja, internos e externos, este Homem me ensinou mais uma coisa a respeito de morrer, que minha mãe e meu confessor começaram a ensinar, anos atrás: quem morre dentro da luz, quem leva o seu destino, o seu "bom combate" até o final, quem não retrocede por medo, este morre em paz e em concordância com a Mão que o guia. Tive mais um fotrte exemplo da Boa Morte que os cristãos tanto pedem à Nossa Senhora.
Depois deste "Amém" do pai João Paulo II, ler o trecho acima, de São Paulo, me fez sorrir e, mais uma vez, entregar naquela poderosa Mão os desígnios do mundo. Posso, mais uma vez, ser uma criança confiante no Pai. Não preciso mais ter medo.

Amém.

1.4.05

26.3.05


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Páscoa 2005



Hoje escutei várias vezes o Gospel da Shania Twain, que pede a Deus que abençoe a criança que sofre... parei para pensar que todos nós precisamos ser libertos deste nosso sofrimento, para que não façamos mais as crianças sofrerem.

Quis fazer uma prece por todos nós. Feliz Páscoa para todos.


Deus abençoe

Deus abençoe a todos nós
Que ele nos livre do abismo
Que Ele tenha piedade do nosso egoísmo
Que Ele resgate nosso coração da dor
Que Ele defenda os fracos do nosso desamor
Que Ele perdoe nossas ofensas
Que Ele reforce nossas crenças
Que Ele nos tome pela mão
Que Ele faça cada homem nosso irmão

Deus abençoe todos nós
Que derrame sobre nós o seu Amor
Ordenadamente sobre os mais perdidos
Docemente sobre os mais duros
Carinhosamente sobre os mais aflitos
Calmamente sobre os mais nervosos
Suavemente sobre os mais agressivos
Alegremente sobre os mais tristes
Grandiosamente sobre os mais humildes

O mestre ajoelha-se diante dos discípulos
Para que ajoelhemos todos, um diante do outro
Para que aprendamos o que é amor
Deus hoje é morto por nós
Para nos dar a vida eterna
Hoje o Altíssimo desce à Mansão dos Mortos
Para que não tenhamos mais de morrer
O criador tornou-se criatura
Para reacender a centelha divina em todos nós
Que seja feita a vontade do Senhor. Aleluia...




God Bless The Child
(Shania Twain)

Hallelujah, hallelujah,
God bless the child who suffers
Hallelujah, hallelujah,
God bless the young without mothers
This child is homeless,that child's on crack
One plays with a gun,while the other takes a bullet in his back
This boy's a beggar,that girl sells her soul
They both work the same street,
The same hell hole

Hallelujah, hallelujah,
God bless the child who suffers
Hallelujah, hallelujah,
Let every man help his brother

Some are born addicted and some are just thrown away
Some have daddies who make them play games they don't want to play
But with hope and faith
We must understand
All God's children need is love
And us to hold their little hands

This boy is hungry, he ain't got enough to eat
That girl's cold and she ain't got no shoes on her feet
When a child's spirit's broken
And feels all hope is gone
God help them find the strength to carry on
But with hope and faith
Yea, we can understandAll God's children need is love
And us to hold their little hands

Hallelujah, hallelujah
Let us all love one another
Hallelujah, hallelujah
Make all our hearts blind to color
Hallelujah, hallelujah
God bless the child who suffers

24.3.05


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Dama das Rosas - 2 Anos - Um pensamento, uma oração

21.3.05

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"pra te amar melhor

então porque você está me irritando? ele disse assim num misto de quase desligar na cara dela e desculpa embutido na frase despropositada. vendo o nervoso dele em tentar conter o ódio não direcionado a ela - que acabara de ser válvula de escape sem ter culpa da esporrada - e a espontaneidade da explosão, não sabia de ria ou se ofendia. o resultado foi uma leve alfinetada - comum a quem é ágil com as mãos - costurando um assunto no outro, como que numa colagem. emendou livros, sites, pessoas e envelopes numa alinhavada só. quando desligou o telefone, ela ria. não gargalhadas, mas aquele leve sorriso estático onde não há a necessidade de mostrar os dentes. então, por que você está me irritando? pra te amar melhor, meu amor, pra te amar melhor." (Crib Tanaka in Paralelos: 17 Contos da Nova Literatura, Editora Agir)


Ela entrara naquele cinema para assistir ao filme da vida dele, sabendo quase que de antemão o desenlace de algumas cenas, como costumava acontecer quando assistia às novelas da TV. Não é difícil prever as curvas do caminho que já se percorreu, pensava ela sentada no escuro do cinema. A escuridão escondia as lágrimas que ela não queria que ele visse, resultado da dor intensa que sentia ao ver tanta energia desperdiçada.

O filme desenrolava cada vez mais complexo, com tramas e subtramas, mas tudo parecia para ela cada vez mais simples. Sim raramente é para sempre, Não raramente volta atrás. O medo que dê errado compete ferozmente com a vontade de que dê certo, numa versão psicanalítica de Jacó e o Anjo. E ela não conseguia mais discernir se era um filme de ação, um drama ou uma comédia pastelão. O jeito era aguardar.

Quando a última cena apareceu na tela - a mocinha sentada só, numa sala de cinema - e as luzes se acenderam, ela percebeu que estava também só nesta sua sala de cinema. Ao olhar para trás, distraída, escutou o grito "Corta!" vindo de um homem que olhava para ela no escuro, por trás de uma câmera.

17.3.05

Mulheres guerreiras



"É quase tempestade e me mantenho aqui, com o olhar fixo no horizonte cinza, esperando o momento em que será possível acreditar em tudo aquilo que realmente existe. Alguém me disse enquanto o céu estava claro que acabei por me trancar num mundo que eu mesma criei e no qual poucas pessoas permito entrar e eu não acreditei. Tenho uma certa dificuldade em relação à crença naquilo que não me agrada. Mas o fato é que esse alguém tem toda razão e já me sinto vitoriosa por reconhecer isso. Me manter forte não é uma obrigação, mas uma conseqüência e o que preciso agora é colocar em prática os planos que há anos venho acumulando, que se tornaram uma espécie de motivação mas que também, como eu, precisam se transformar e deixar de ser apenas planos. Eu quero a espada em minhas mãos."

Minha querida Roberta Febran escreveu o texto acima. Ela sabe muito bem o que é ser uma mulher guerreira, presa em uma luta que muitas vezes não foi escolha sua, e incapaz de parar um minuto sequer para respirar algum ar que não tenha cheiro de sangue, suor e medo. é uma irmandade sofrida e silenciosa, esta das mulheres guerreiras. Elas se conhecem, se entendem profundamente, mas só o que têm tempo de trocar é um olhar de compreensão e um "é..." pensativo, antes que os atacantes voltem a tomar toda a sua atenção.

Os atacantes são muitos: falta de grana, falta de afeto, falta de lealdade, insuficiências diversas e acidentes dolorosos vários. Às vezes é também o abandono - do pai, do marido, dos filhos, do governo - que as força a pegar em armas. o problema é que, quando se pega uma arma, raramente nos permitem colocá-la de volta na sua bainha.

Eu tenho lamentado muito toda esta luta. Não paro de lutar, porque não tenho intenção de me deixar degolar pelas circunstâncias. Mas eu sonho com uma vida mais delicada, holywoodiana, com robes de cetim e boás de plumas, e mules com pompons e poodles cor de rosa que cabem na palma da mão. Almofadas de cetim, cabelos sempre bem penteados, luvas de pelica, todo o tempo do mundo, unhas sempre bem feitas, nenhuma louça para lavar, nenhum desencanto, nenhum sofrimento. Eu sonho com a vida de comercial Mollico, com a vida chocolate Godiva.

Uma vida chapada, de vitrine, eu sei, é a miragem que seduz quem tem muito pouco tempo para sonhar. Eu queria reconquistar meu direito ao sonho, queria não ter de viver na prática esta tortura tão Laranja Mecânica de ter de manter os olhos sempre abertos. Fechar os olhos por um instante, recostar a cabeça, relaxar... ó luxúria das luxúrias...

Mas, como disse muito bem uma outra amiga, guerreira mais experimentada, mãe que criou praticamente sozinha quatro filhos e que salvou o ex-marido da falência três vezes com seu próprio trabalho: "Esquece, Sue. Tem gente que nasceu para a boa vida, nós nascemos para quebrar pedra."

Oh, well. De volta à enxada. Sem nunca embainhar a espada.

16.3.05

Divagações Sobre o Amor II



Que coisa é a vida... passei a madrugada inteira conversando sobre amor, e uma das pessoas que marquei como sendo alguém que eu muito amei - e amo - foi você. Lembrei que nunca nos vimos, mas que os efeitos da sua passagem pela minha vida ainda são tão fortes que fiz uma rede de carinho em torno de mim com pessoas que eram suas, e agora são minhas também.

E eis que me lembro que hoje é seu aniversário, e começo a pensar no que escrever, e a Cris me manda uma linda mensagem, pois ela também vai sempre amar você. E mais uma vez eu tenho a certeza que amar forte, e amar para sempre, é o que nos torna próximos de Deus. E eu sinto que você está cada dia mais pertinho Dele. Só pode estar, pois sua presença amorosa continua a nos abençoar aqui embaixo, no meio de tanta luta e sofrimento.

Feliz aniversário de dois anos na vida eterna, meu anjo torto, meu amado Alex.


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13.3.05

Divagações sobre o amor



Já me falaram de tudo sobre o amor, e eu já li um outro tanto de gente que sabe ou acha que sabe o que o amor é. Engraçado, eu já falei um bocado que amo, como amo, com que intensidade amo, mas nunca falei sobre o amor, sobre como ele se manifesta para mim.

Amor? Eu poderia citar inúmeras poesias mais bonitas, mais fortes. Mas no seu álbum Lover's Rock, a Sade acertou em cheio no que eu considero que seja amor de verdade. Amor é pensar no outro e não em si, amor é cuidar, amor é enxugar a lágrima e apertar a mão, segurar firme, mesmo que todas as tempestades despejem fúria à sua volta. Segurar e não largar. Só o amor verdadeiro dá forças para isto; quando o amor é verdadeiro, este cuidado de um com o outro é tranquilo, automático, sem esforço.

Ah, queridos, é uma bênção e um privilégio poder amar assim.

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10.3.05


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Águas de Março



É... o mês de março tem tido um peso grande na minha vida, grande e triste, e acho que nunca mais vou conseguir encará-lo com alegria. As águas que levam embora o verão levaram mais coisas embora, e pessoas.

Não me entristeço em demasia, contudo; a água levou, mas também lavou. A cada problema, a cada tempestade, a cada luta, a cada tristeza a alegria interna se torna maior e mais sólida. E minha alegria interior tem-se manifestado com muita força justamente quando quem amo está mais fraco, mais triste. Aí ela se derrama sobre o coração ferido ao meu lado, e minha fraqueza se torna força, e minha dor se apaga de minha consciência, e curar a dor dele é minha alegria.

Os celtas entravam no campo de batalha nus e cantando, sorrindo ferozmente, e eram o pavor de seus inimigos.

Eu, portanto, já aviso aos navegantes: minha alma e meu coração já foram desnudados, o sorriso feroz está no rosto, e tudo o que se ouve à minha volta é o barulho da pedra afiando a espada. Os que querem ferir ou roubar a alegria daquele que amo que comecem a correr se eu começar a cantar.

24.2.05

Eu já volto!


Stella, Alfredo, Aninha, amigos todos:

Da mesma forma que há tristezas grandes demais para palavras, onde o silêncio é a única resposta, da mesma forma que há portas que se fecham que não se reabrem jamais, há alegrias que não podem ser descritas, há novos caminhos que se descortinam e mobilizam todo nosso ser por um instante.

Não abandono o Asa, apenas a borboleta dorme um segundo, pousada sobre um livro de poesias, enquanto a Assunção corre aqui e ali na vida real, coração e mente ocupadíssimos.

Tudo está muito bem, e vai ficar melhor!

Beijos estalados nas bochechas dos amigos, uma risada graaannndeee e feliz, e tchau!

Daqui a pouco volto!

27.1.05

Mergulho no inconsciente



Fecho os olhos. No espaço infinito interior, posiciono meu corpo mental num trampolim que aponta para o céu vazio. No espaço de três batidas de coração, percorro o trampolim e me lanço no nada. Uma respiração bem lenta... as nuvens muito brancas passam velozmente por mim enquanto caio, mas não há vento nem atrito, eu caio rápida e suavemente. Mais uma respiração lenta e profunda... meu corpo mental ensaia rodar no ar, fazer arabescos. Estou no reino onde tudo é possível, onde não há os habituais limites do físico. A queda se torna cada vez mais veloz, e mais suave.

Cada vez menos percebo meu corpo físico. Agora a realidade é a queda, o vôo. Uma terceira respiração, mais lenta e profunda que as outras duas... as nuvens brancas se partem, e posso ver lá embaixo, ainda pequenina, uma enseada de mar muito limpo e azul, uma praia de areia muito branca, e na beira da areia escadas que levam a uma casa. Minha casa. Minha praia, meu mar. Eu. Voltei.

Entro no mar como uma flecha, e me sinto cercada de bolhas que me pinicam gostoso... deve ser esta a sensação de mergulhar numa taça de champagne. A água é cristalina, e o céu ensolarado me permite ver meus alegres golfinhos nadando a meu lado. É uma escolta, porque meus alegres guardiães sabem que nas profundezas mais escuras deste mar existem tubarões que me enchem de temor. Mas aqui, na minha enseada, no meu lugar especial, eles não chegam, porque minha escolta da alegria não permite. Chego na praia, caminho pela areia úmida ao encontro da escadaria, e no pé dela dois seres me aguardam, um lobo grande e solene, uma pantera de olhos amarelos.

Um afago na cabeça de cada um, um olhar de boas vindas. Subimos juntos os degraus. Uns 50 deles, porque a casa fica no alto, e de sua janela posso ver ao mesmo tempo a enseada e o horizonte. Finalmente chego até a porta, com um suspiro cruzo o umbral, e a roupa de banho molhada dá lugar a uma túnica leve e folgada. Ao meu lado não estão mais um lobo e uma pantera, mas meu cãozinho Buggie e minha gatinha Dora, meus pequenos companheiros internos, familiares, queridos, cheios de vida e saúde, tão diferentes dos corpos sem vida de que eu me despedi fazem já alguns anos. Lá fora na praia eles são meus guarda-costas, as feras que me protegem de feras muito piores que trafegam pela mata, mas aqui são apenas meus filhinhos peludos, que me fazem companhia no meu lugar.

E o meu lugar é um enorme quarto, amplo, claro, com algumas portas que se abrem para outros lugares, diferentes, e neste quarto há uma imensa cama macia, onde muitas vezes vou apenas para repousar a mente cansada. Hoje, no entanto, apesar do cansaço, não vim para repousar, mas para averiguar a chegada de um novo companheiro.

Ao chegar à beira da cama, eu o vejo. Junto dele, cuidando do recém-chegado, o meu outro cãozinho, Ly – que em chinês quer dizer sorte –, amável cãozinho que no fim de sua vida foi pai adotivo de Dora e deste que chega agora... meu gatinho Tetê, ainda fraco da viagem, mas sem as marcas da doença que o derrubou ainda tão novo... nada de icterícia amarelando sua pele, nada de pêlo sem brilho, ele está deitado, ainda cansado da jornada, mas recuperando rapidamente o viço perdido, principalmente com os cuidados do pai cão, eles que sempre se gostaram tanto.

Sento no meio da cama, de pernas cruzadas, e meus quatro amigos se ajeitam em torno de mim. Eu sei que quando tornar a abrir os olhos para o mundo fora de mim, quando tiver de sair de meu mundo particular, a saudade deles vai me fazer doer o coração, mas agora é só a felicidade que qualquer bicho de estimação sente quando a dona chega em casa, agora é a alegria comum, corriqueira e preciosa dos ronronados, das lambidas afetuosas.

Dorinha, sempre a mais afoita dos dois irmãos felinos, abusa da paciência do gato e tem de ser repreendida, mas é uma repreensão cheia de riso. O Ly, como sempre fez, chega bem pertinho de minha coxa e mostra a barriga para afagos. Buggie, ciente de sua dignidade, deita um pouco ao largo da confusão, da maneira que sempre gostou: patas de frente paralelas diante dele, patas de trás esticadas ao máximo para trás, a barriga toda encostada no edredon fresquinho. Mas, apesar de tentar manter a aparência de lorde, a boca é toda sorrisos, e a língua aparece num arfar de felicidade. Mamãe está em casa.

E mamãe deita na cama, e deixa o amor simples dos seus bichinhos embalar seu sono. Amanhã de manhã a realidade se impõe. Mas a madrugada é muito mais amiga do sonho que da realidade.

17.1.05

Resposta ao Liberal Libertário Libertino


Alexandre,

Obrigada pela visita e pelo comentário. Foi um momento de prazer verdadeiro no meio de uma semana de puro desgosto. Obrigada mesmo.

Eu tenho estado profundamente mergulhada em mim mesma, e muito pouco na Internet. Seu blog e seus escritos continuam sendo uma referência para mim, de integridade, de coerência, de estrutura - parece maluquice minha falar disto logo depois de ler seu post sobre ser livre, mas é verdade: para ser livre é preciso ser autônomo, e para ser autônomo, é necessária uma forte estrutura mental e emocional.

Seu post sobre liberdade parece que foi escrito como recado para mim, como muita coisa que você escreve, menino. É alfinetada das mais salutares, e meu caso é muito parecido com o seu, apesar da incongruência de eu ser professora universitária, parte desta tribo que você despreza (coberto de razão).

Eu estou no mesmo lugar que você, no meio do Pampa em cima de um caixote. Mas o que você vê como infinitas possibilidades, eu enxergo como total desolação.

Mas não deixo de lutar para mudar minha maneira de ver as coisas.

Quanto a linkar você, estou mesmo precisando reformar meus links, adicionar muitos, não só o seu, e tirar alguns. Se a poeira baixar um pouquinho, vou tratar disto logo.

Um beijo carinhoso da sua admiradora

10.1.05




Tsunamis, Tempestades e Outros Desastres



Sina. Palavra pequena que significa tanta coisa diferente. Irmã menos famosa do Destino, muita gente sequer acredita que ela exista. Quem acredita, geralmente pensa que ela é mesquinha e pequena, inimiga da humanidade.

Quando nos deparamos com os grandes desastres – como o tornado que desabrigou tantos em Santa Catarina e o tsunami que matou centenas de milhares na Ásia – nos perguntamos sempre porque. Quem ou o que ordena que uma onda leve tantas pessoas, casas, cause tanta destruição. Será gesto da ira Divina? Mais uma das travessuras do Destino e de sua malvada irmã Sina? Que sina é esta, Pai Eterno, que faz com que tantas pessoas transformem suas férias singelas na praia num inferno de dor e sofrimento?

Eu não acho que os acontecimentos sejam ordenados assim, de maneira tão burocrática. Não acredito que um Destino brincalhão nos pregue peças de mau gosto deste tamanho, por diversão. Verdadeiramente penso que estamos neste mundo para vencê-lo, como se vence uma prova de olimpíada ou uma batalha. Os obstáculos estão em toda a parte, pequenos, grandes, obstaculozinhos irritantes ou sofrimentos enormes como rochedos pontiagudos nos quais caímos. E um Deus mais amoroso e gentil que o malicioso Destino nos estende sempre a mão e diz: “Eu ajudo você a passar por isto, vem...”.

Nesta hora, a Sina não é maldosa, é a penas o conjunto de treinamentos que a vida nos manda para nos ensinar a ser mais fortes, mais confiantes nesta Mão estendida. A ver que os bons momentos da vida têm de ser guardados no fundo do coração, como a namorada que amarra as cartas do amado em fita de seda e as guarda em uma caixa perfumada de sachês e flores secas, como o tesouro de amor que são. Porque são estes bons momentos, é a Esperança na Beleza, na Alegria, na Bondade, na Felicidade que são nossas armas para vencermos as batalhas cotidianas e as especiais, que nos atingem como um murro quando inocentemente dobramos a esquina cantarolando.

Eu tenho uma sina. Uma sina que me rasga em tiras por dentro, mas que é uma sina bonita e especial, um verdadeiro presente da vida. Deus me manda os perdidos, os doentes, os solitários, os que precisam de amor. E a mim é forçoso que eu forneça a eles o que lhes falta: cuidado, atenção, remédio, carinho, o amor incondicional que cura e consola.

Para conseguir fazer isto, recebi de Deus a mãe mais amorosa que uma pessoa poderia ter, uma mãe que cuidava de mim como um antiquário cuida de um vaso Sèvres (estou boa de metáforas hoje... acho que porque não quero pensar reto demais, sob o risco de não conseguir escrever isto). Quando tinha 16 anos, esta mãe adoeceu. Câncer no seio esquerdo. Cinco anos de tratamento. Metástase no fígado. Cinco meses de agonia. Morte. Minha mãe me ensinou a cuidar e a morrer, e foi também o primeiro ser de quem cuidei em sua fase terminal.

Tarefas das mais diversas, difíceis, todas: fazer de conta que eu não estava perdida no meio de uma tempestade, porque minha mãe estava sem chão, e não podia mais ser o MEU chão; levá-la às sessões de quimioterapia, e ver como aquela medicação vagarosamente a maltratava, arrancando seus cabelos, maltratando sua vaidade, debilitando seu sistema imunológico; cuidar dela na sua última semana de vida no hospital, banhando, alimentando (enquanto ela comeu), limpando sua urina e suas fezes; servindo de auxiliar de cirurgia, quando o seu médico resolveu que tentaria aliviar sua respiração entrecortada fazendo uma punção abdominal para tirar o líquido do fígado que se desfazia lentamente com o tumor.

Tudo isto, que escrito parece pavorosamente duro, eu fazia movida pela mais premente necessidade de mostrar a ela que eu a amava, que eu não permitiria que ela passasse por aquilo sozinha, que eu queria que ela soubesse o quanto eu era GRATA pelo amor e cuidado que ela teve comigo, pelas coisas bonitas que ela me ensinou. Mas tudo isto tem um custo pessoal alto. Depois que minha mãe morreu, o sofrimento todo que estava engarrafado explodiu numa úlcera gástrica e em crises de choro que vinham de repente, e me sacodiam como uma boneca de pano, e me deixavam prostrada quando partiam.

Esta é a sina: dar de mim de tal forma a quem necessita, que sofro de ‘anemia da alma’. A cada parente doente, a cada bichinho que parte (já me despedi de quatro, todos muito amados), a cada perda, a energia que se esvaiu de mim retorna muito lentamente, e durante um tempo fico oca, inerte, entregue a um sofrimento contra o qual nada posso fazer. Não é possível reagir, só deixar o tsunami passar, e depois reconstruir o que ele botou abaixo. Não é só destruição, é também uma limpeza e uma renovação, mas que dói como se me arrancassem a pele.

Desta vez foi mais um bichinho: meu gato Tetê, que tirei das ruas quando ainda cabia na palma de minha mão, e de quem cuidei e em quem depositei todo meu afeto por seis anos. Um belo dia no início de dezembro, a surpresa: o gatinho que tiramos de casa um pouquinho apático, com um comportamento esquisito, ao chegar na clínica era um gato com uma patologia hepática grave, patologia que durante um mês comeu metade de sua massa corpórea e finalmente o levou domingo de tarde, nove de janeiro.

Lá vou eu, a mesma rotina de minha mãe: vigiar o soro, dar alimento, lavar, cuidar, fazer punção abdominal, ajudar a respirar, levar para a clínica, ver o rosto da veterinária ficar mais e mais grave. E assistir de perto mais uma batalha perdida para a morte.

Aqui, uma pausa. Deve ter gente lendo isto que vai ficar escandalizada, achando que eu estou equiparando o sofrimento de perder minha mãe com o sofrimento de perder um bicho de estimação. Não estou. Estou dizendo que o esforço desprendido no cuidar é o mesmo, as noites sem dormir são as mesmas, as lágrimas caem do mesmo jeito, e quando eles partem, a Sue está oca, e dentro dela está apenas o fantasma de uma dor que ela presenciou de muito perto, e que dentro dela ainda não se dissipou.

Peço então desculpas aos amigos que vêm aqui saber da Sue, ela está perdida numa praia deserta em algum lugar, esperando a tempestade passar para que ela possa começar a retirar os entulhos. Não sei com que freqüência virei aqui, nem o que vou escrever. Porque hoje, só o que sou é um gatinho moribundo lutando para respirar.