22.9.02



A Humanidade e as Borboletas

A definição do que é um ser humano tem escapado igualmente aos grandes pensadores e ao homem comum. Sabemos todos o que um homem não é, mas quando paramos para pensar no que SOMOS, as definições falseiam. Somos filhos de alguém, mulheres e maridos de uma outra pessoa, somos filhos, somos sempre algo em relação a um outro. Diversos algos, ao longo de nossa existência, coisas que só determinam parcialmente quem somos. Mas e nossa ESSÊNCIA, qual é? O que distingue absolutamente um ser humano de uma coisa não-humana? O ser humano sente. Bem, quem tiver animais de estimação em casa saberá imediatamente que isto não é uma prerrogativa humana. O ser humano ama. Bem, os cães também amam, e os gatos. O que, oh!, O QUÊ torna o homem tão claramente distinto dos outros animais?

O ser humano é o único animal com a audácia de tentar transcender a morte. Tem consciência da sua própria mortalidade e procura transpor o abismo entre a animalidade efêmera e a Eternidade usando a ponte da Cultura. Toda a produção cultural, desde as pinturas nas cavernas, tem o objetivo último deixar sua marca eterna, em última análise enviar uma mensagem às gerações futuras: “EU estive aqui, e esta é a minha mensagem!”

Todo o artista, todo aquele que produz cultura verdadeira, está – tal qual batedor explorando terreno desconhecido – testando os próprios limites de sensibilidade. Os artistas verdadeiramente grandes arrebentam o próprio coração e a própria alma para avançar os limites de toda a humanidade. Todos nós nos tornamos maiores através das obras de Bach, Michelangelo, Shakespeare. Artistas verdadeiros alcançam novos patamares de humanidade, para que o rebanho venha vagarosamente atrás, lentamente deixando de ser de barro e tornando-se verdadeiramente os homens divinos que Deus planejara.

Estes batedores que mapeiam terreno desconhecido enfrentam questões morais de natureza muito diversa do rebanho que fica protegido e cuidado no terreno bastante familiar. Como atletas do espírito, levam ao limite a dor, o desespero, o lirismo, a beleza, a feiúra, tudo que está na composição de um ser humano. Não há buraco na alma que não seja explorado, verme debaixo de pedra que não seja cutucado. Alguns enlouquecem nestas explorações, outros se suicidam, outros descem ao abismo e não voltam. Mas nada disto invalida a busca. Alguns efetivamente tornam-se gigantes, e enobrecem a todos os outros.

A grande tragédia da modernidade é que o homem comum esqueceu a que custo a sua humanidade foi estabelecida. Arrogante, toma para si méritos que não são seus, e não honra mais o artista como portador do fogo divino. A mediocridade agora é paradigma, e aqueles que põe a mochila às costas e vão explorar a alma humana são “loucos”, “cães doentes”, “pecadores”. O homem médio perdeu a capacidade de reconhecer a grandeza de outrem, e toma sua baixeza como medida para o mundo.

Enquanto isto, há os seres humanos que verdadeiramente buscam o Alto. Estes fazem como as borboletas, que ficam 20 dias transformando a substância de si mesmas, para voar uma semana e morrer. Esta autoimolação pela beleza e pela liberdade de voar com as próprias asas, é, na minha opinião o maior Dom de Deus aos homens, e aqueles que não têm a força e a capacidade necessárias para obter este Dom, deveriam ficar em respeitoso silêncio e saber que sua paz de espírito e sua moralidade foi conquistada pelo sangue destes poucos.

Mas a humanidade não é mais o que foi. E parece cada vez mais distante do que deveria ser.

Nenhum comentário: