9.8.02

Ploc-ploc-ploc-ploc-ploc. Silêncio. Ploc-ploc-ploc-ploc-ploc. Rrrrrrrrrrrr-rrrrrrrrrr. Ploc-ploc-ploc-ploc-ploc. Silêncio. Plec. Ploc-ploc-ploc-ploc-ploc. Silêncio.

Estou cheia de silêncio. É como se eu tivesse virado do avesso, e ficado cheia de ar por dentro, e minha substância fosse esses sons que escuto. O salto agulha da vizinha de cima, andando de um lado pra o outro, abrindo e fechando portas e gavetas. Que atividade! Ela hoje é mais real que eu. Os limites da minha pele não retém nada. O salto agulha da minha vizinha, o meu HD trabalhando, os sons dos carros passando lá fora, estes são meus vínculos com a realidade.

Se eu não escutar estes ruídos com as orelhas em ponta como um cão, a sensação que tenho é de que vou me desvanecer como fumaça... Hoje eu estou só sentidos e espera.. Os pensamentos voam aqui e lá, como a flauta de Terry Oldfield. Eu, que sempre sou tão concreta, hoje lembro uma bolha de sabão. Um movimento mais brusco e eu sumo no ar. Esta noite não sou feita de carne e osso. Sou feita de sonhos e reflexos multicores.

Lá vai o garçom da pizzaria em frente baixar a porta de ferro: trráááá!! Um ônibus passa com seu ronco forte, e depois o silêncio. Meu silêncio. Quem nunca escutou o silêncio como eu não sabe a riqueza de pequenos sons dos quais é feita a noite na cidade. É romântico imaginar os grilos e sapos cantando no campo, mas é aqui no meio desta imensa cidade que o silêncio parece gritar mais forte. O silêncio aqui é tão raro, entrecortado de risos e buzinas e cacofonias. Quando ele acontece, é apenas um instante de profundo calar, antes que algo ou alguém perturbe a noite. O silêncio na cidade é mais valioso.

Eu hoje só existo nestes intervalos de silêncio. Cada ruído me tira de dentro de mim, e eu flutuo no ar. O silêncio hoje é meu chão. Eu fico neste pisca-pisca de som-silêncio, sou-não-sou... Sou.... Que espanto é descobrir que se é, e mais nada. Se tudo mais me for tirado, eu ainda sou. Mas nos momentos em que eu viro a bolha brilhante no ar, nestes momentos eu não sou: eu desejo.

Ah, o desejo... armadilha doce, cilada em que nos jogamos alegremente. Eu desejo, eu o desejei de cara. Se ele me desejava ainda não importava, pois o meu desejo ainda me maravilhava tanto que não olhei para fora, para olhar o desejo dele. Meu desejo era um milagre em si, e nem quis pensar no milagre ainda maior da correspondência. Não ainda. Ainda vivia de mim, do meu coração acelerado, da bolha que flutua, querendo voar de encontro a ele. A bolha multicor apenas desejava estourar em um milhão de pequenas gotas de luz, de encontro a seu peito.

Logo, cedo demais, a necessidade da correspondência ficou mais forte que a necessidade do sentir. Agora estou no fio da navalha, como todos os que desejam, à mercê do “ser desejada de volta”. Fico a pular entre a euforia e o desespero, bem-me-quer, mal-me-quer. Bem ele me fala, e mal ele me liga. Bem ele me deseja, mal ele me escuta. Bem ele me acaricia, mal ele me acalenta. Bem ele conversa, mal ele me conta de si.

A distância é grande demais entre o silêncio e a bolha de sabão, e o que pode me fazer inteira de novo não está aqui....

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