É muito esquisito quando sentimos que as pessoas que estão a nossa volta não têm substância, e que as pessoas mais presentes e concretas não estão aqui. É uma sensação de estranhamento, de que a sua própria forma corpórea ficou transparente – e ao mesmo tempo, viva, sente estímulos de lugares distantes, mas não os daqui. Eu abraço amigos que nunca vi, beijo amigas que só conheço da tela iluminada do computador, tenho filhos e filhas, irmãos e irmãs, que não conheço.
Aqui à minha volta parece que não há pessoas, porque eu não as vejo e – talvez por causa disto – elas da mesma forma não me vêem. Serão elas imateriais ou serei eu? Nenhuma coisa nem outra. O que verdadeiramente ocorre é que minha alma saiu a passear, e encontrou jardins de delícias alhures. Meu coração abriu-se inteiramente para corações que só vislumbro ao longe. Meu espírito estica-se para fora do corpo, em busca da convivência com espíritos irmãos. Nem sempre estes espíritos irmãos estão ao alcance da mão, mas estão certamente ao alcance de uma mensagem eletrônica.
Um exemplo? As pessoas que me vêem caminhar pelas ruas, que assistem minhas aulas, as pessoas com quem eu falo, brinco, faço graça, brigo, grito, abraço, estas pessoas não enxergam, mas eu hoje sou duas pessoas. Eu e Ele. Meu amado distante, eu sinto a ponta de seus dedos deslizando pelo meu pescoço, meus ombros, descer pelo meu colo e roçar carinhosamente pelos meus seios. Sinto seu abraço, o calor de seu corpo, escuto o tenor leve da sua voz vibrando no pé de meu ouvido, baixinho. A palma da minha mão sente a maciez cheia de textura dos pelos do seu peito, meus dedos desenham o formato da sua boca no ar, meus lábios formigam como se já tocassem os seus. Minha pele arrepia, com se já estivesse encostada na sua.
Esse tipo de sentimento é antigo, o de amar à distância – que o digam Abelardo e Heloisa! – mas hoje ele adquiriu uma velocidade que desnorteia a maioria das pessoas, e as faz pensar que o sentimento é falso ou fantasioso. Nada mais longe da verdade. Conheço homens e mulheres que foram enganados – às vezes por anos – por um rosto bonito, por pernas longas, por uma boa cama, e levam o maior susto quando finalmente enxergam através disto e descobrem uma pessoa da qual na verdade não gostam nem um pouco. Quem não conhece uma ou duas ou trinta histórias assim?
No entanto, não conheço muitas histórias de pessoas que foram enganadas por aquilo que um contado de Internet escreveu... pelo menos não por muito tempo. Conheço histórias de amores eletrônicos que não resistiram à distância, às dificuldades, mas não conheço uma única pessoa que tenha dito que “ela(a) não era nada daquilo que suas cartas diziam!” Na verdade, enganar pessoas na Internet só em salas de bate papo de cunho declaradamente sexual, onde as pessoas largam suas fantasias todas em cima dos outros participantes. Adolescentes viram quarentões, senhoras viram mocinhas, homens viram mulheres e vice-versa. Mas a propaganda enganosa é muito mais difícil – e muito malvista – quando a troca é de idéias.
Uma amiga já me perguntou: “Como posso ter saudade de algo que ainda não fiz?” Não, não é saudade. Saudade é rememorar com prazer e melancolia algo que já se passou e que está distante. Esta ânsia de busca, esta vertigem, este desespero é FOME. Eu sinto fome por ELE, quero estar perto, conversar, explorar esta alma que me parece das mais bonitas que já vi... E minha amiga também parece ter a mesma vontade em relação ao “Eledela”. O nosso problema é que – de um lado – aquele a quem amo não quer retribuir a afeição, em parte por não poder fazê-lo e em parte por não acreditar no sentimento em si. No caso de minha amiga, ele acredita no sentimento, com a ressalva dos desconfiados, mas tem muito medo da distância, que já lhe fez perder um amor...
Minha querida amiga, sabiamente, definiu muito bem nossa situação : “Eu vou ver se acho minha armadura e meu escudo.. entrei sem nada no meio de uma guerra que ele está travando com ele mesmo... e os estilhaços estão voando em mim.” Ah, meu amor, como você está certa!