21.10.05

Maratona

Queria que a vida tivesse botão de slow motion, ou o maravilhoso botão de pause que os aparelhos eletrônicos têm. Que sensato dos engenheiros de pensar que muitas vezes a velocidade com que andamos tem de diminuir ou mesmo parar por um instante. Mas não se acha o tal botãozinho em lugar algum do corpo ou da alma... o que me obriga a manter o passo, sem correr demais nem de menos, procurando o ritmo que vai ajudar a chegar ao fim desta corrida sem morrer no final, como o pobre mensageiro da batalha de Maratona.

Estabelecer rotinas novas sempre é complicado, principalmente quando a nova rotina é um tratamento que é quase pior que a doença que ele tenta curar. Para respirar com o peito menos apertado, reparo no pouquinho mais que ele come, no olhar e no passo um tantinho mais firmes, já sem a fraqueza debilitante da quimioterapia. Reparo que ele sorri um tantinho mais, assiste TV com um tantinho mais de interesse. Hoje quis sair a pé um pouquinho pela vizinhança, e nunca antes fiquei tão feliz em descer minha rua... mesmo só aquele pouquinho.

De pouquinho em pouquinho, passo a passo, um dia de cada vez. Sim, este é o mantra que quero usar - eu, que não costumo usar mantras de espécie alguma - para acertar o passo para a longa corrida:

Um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez...

1.10.05

Sossego

A maioria das pessoas equaciona sábado à noite com farra de algum tipo fora de casa. A banda Cidade Negra tem inclusive uma música que fala sobre isso, bastante animada. Nada contra sair sábado à noite, já fiz muito isso e acredito que farei de novo ainda muits vezes.

HOJE, no entanto, estou mais que feliz de estar em casa, quietinha no meu quarto, escutanto papai assitir televisão na sala e de vez em quando levantar e levar até ele um copo de suco, ou chá, ou água de coco. É bom saber que ele está aqui, ao alcance do meu amor, do meu toque, do meu cuidado. Saber que ainda não chegou a hora de não ser mais possível fazer tudo isto. Essa hora que todos sabemos que vai chegar para cada um de nós, mas que está assinalada como um lembrete na pele do peito dele, naquele X marcado pela médica para guiar a radioterapia.

Mas agora, agora não tem radioterapia, nem quimioterapia, nem cabelo caindo nem fraqueza ainda, tem meu paizinho sentado na sala, calmamente vendo um filme policial, enquanto eu vigio de longe, teclando no meu quarto. Tem o sossego de estarmos aqui, em paz, neste momento. Eu não troco isto por nada.

Haverá muita saída aos sábados por muito tempo ainda, creio eu, mas não há outro lugar no mundo que eu prefira estar agora que aqui. Queria que este momento se esticasse, esticasse, por dias e meses.

O tratamento, para melhor ou pior, começa segunda-feira.