17.2.08

Meditações

Eu fiquei com uma frase do post anterior perturbando, depois que o publiquei. É verdade que meus textos só são o que se chama de literários por acaso, porque o objetivo deste blog NÃO É nem nunca foi fazer literatura. Já disse que este blog é meu coração, um farol que chama para perto de mim pessoas que sentem parecido, ou que precisam de alguma forma do tipo de visão de vida que tenho.

Mas não é só por isso que me incomoda a idéia de considerarem meu blog "literário", e eu descobri o que era relendo as crônicas do Nelson Rodrigues em seu livro "O Reacionário". Não sou "inteligentíssima", sou uma mulher de meia idade que sente e gosta de descrever e meditar sobre seus sentimentos em texto. Poderia falar horas sobre as muitas mensagens que esta crônica especificamente deixou para eu refletir, mas basta uma por hoje: não me considero nem madura o suficiente nem com texto o suficiente para me aventurar na literatura, pelo menos não ainda.

Prezo demais os escritores e suas obras para fazer isto de me comparar e eles ou me sentir parte de seu mundo, a não ser da forma mais periférica. INFELIZMENTE, há gente que não respeita os autores desta forma, como o próprio dramaturgo nos conta. Deixo este trechinho para a meditação de vocês, tenham todos uma bom início de semana, finalmente sem o tal horário de verão.

"Hoje, o sujeito vai ver uma peça e tem vontade de pedir como o Hélio Pellegrino: - 'Seja burro, meu amigo, seja burro!'. Não falo por ouvir dizer. Nos últimos tempos, tenho sofrido, na carne e na alma, experiências trágicas. As minhas peças Viúva porém honesta, Os sete gatinhos (a última virgem) e por fim O beijo no asfalto foram encenadas e todas por diretores inteligentíssimos.

Notem: - inteligentíssimos. E foi o mal, o grande mal. E há uma coincidência: - todos diretores paulistas. Por isso quero crer que, hoje, o teatro mais inteligente do Brasil é o de São Paulo. Há, nos palcos de lá, uma rapaziada feroz que reescreve qualquer texto. Que faça isso comigo, vá lá. Quem sou eu, senão um autor modesto, de uma bem-intencionada mediocridade? Portanto, é talvez justo que um diretor paulista sapateie em cima dos meus textos como uma bailarina espanhola. Mas ele fará o mesmo com Sófocles, Shakespeare, Ibsen, etc. etc.

(...)Em suma: - querem assassinar a palavra, e a pauladas, como se ela fosse uma gata prenha. Portanto não existe mais um único e escasso grego, não existe mais um único e escasso Shakespeare, não existe mais ninguém. Quem existe é a rapaziada de São Paulo. Vamos admitir que o teatro existe desde que se esboçou o primeiro gesto humano ou o homem disse a sua primeira palavra. Portanto, é essa tradição de 1 milhão de anos que os diretores paulistanos estão liquidando. é como se alguém afastasse com o lado do pé uma barata seca.

Se o jovem diretor não fosse inteligente, preservaria o texto, e seria fidelíssimo ao texto. E então o público veria O beijo no asfalto, e veria Nelson Rodrigues. Desgraçadamente, estamos diante da inteligência. De intérpretes inteligentíssimos. De contra-regras inteligentíssimos. De bilheteiros inteligentíssimos. Todos estão autorizados a improvisar. Por enquanto, sou eu. Mas quando for um Shakespeare? Façam idéia de um Otelo em arrancos triunfais de cachorro atropelado; e vociferando: - 'Vou-te às fuças!'. Mas esta paródia já fazia Dercy, há trinta anos, com seu maravilhoso histrionismo.

E cabe uma dúvida: - querem acabar com a palavra. Mas acabar com o que não existe? o teatro brasileiro não chegou à sua palavra, não inventou a sua língua. Está certo que o francês faça algo parecido. Já realizou infinitas variações com a sua música verbal. A prosa francesa pensa pelos seus autores e faz os seus autores. Escrevendo aqui, na pobre língua que não temos, Valéry seria talvez nosso J.G. de Araújo Jorge. Primeiro, vamos fazer a nossa Palavra para assassiná-la, depois, com rútilas patadas." (crônica publicada no jornal O Globo em 17/01/1970, republicada em O Reacionário, páginas 125/126, Ed. Companhia das Letras, 2002, São Paulo)

3 comentários:

Poemas de amor e dor disse...

Querida amiga, boa tarde

Lendo tudo isto apetece-me escrever assim:

CORRO EM SENTIDO CONTRÁRIO
(Rogério Martins Simões)

Corro em sentido contrário
Desço o rio a pé, molhado à cintura
Quem me entende?
Quem me deita?
Quem me estende?
Quem me aceita?

Seco a cabeça no limiar da secura
Deixem correr o rio…
Que me entende!
Que me ajeita!
Que me estende!
Que me aceita!

Aceito o colo da ternura
Nado numa pista de cinza
Estou cansado
Das falsas partidas…
Prometidas
Incumpridas
Desgastadas
Ando aos recuos
Ao contrário das vistas…

Vistas as coisas, estamos nus…

O mundo é dos vestidos,
Compridos,
Rasgados
Comprimidos
Decotados
O mundo é dos modelos
Dos esbeltos e dos belos
Das farsas
Dos comparsas…

Tiraram-me as medidas…
Encurtaram as pistas…
Recuei
Minguei
Encontrei a loucura...

Rogério Marins Simões

Camafunga disse...

Adoro passar por aui

ANALUKAMINSKI PINTURAS disse...

Olá! Após um longo tempo de ausência, passo para deixar um beijo e um abraço alados, amiga.