29.9.02
É o Lobo!
Sou do Exército de Pedro. Quem leu os livros de Monteiro Lobato e o texto de Alexandre Soares Silva no www.digestivocultural.com sabe o que isto significa. Pra quem não sabe, vou dar a minha versão dos fatos. A criança, falando em um sentido (suspiro), bem, existencialista da coisa, é um ser infinitamente superior ao adulto que ela se torna. O que chamamos de “coisa de criança” geralmente é o que de melhor existe no ser humano. Quer alguns exemplos? O sentimento de maravilha diante das pequenas coisas, capacidade de concentração sem esforço, doação absoluta ao que se está fazendo, alegria sem razão de ser, confiança implícita, elasticidade do corpo e do coração. Precisa dizer mais?
Pois então. Sou do Exército de Pedro. Faço parte daquele grupo de pessoas que luta ardentemente para continuar criança. Mas – ora bolas! – todo mundo olha pra mim e vê que já sou gente grande. Tenho trabalho de gente grande, pertenço a agremiações de gente grande, estudo assuntos de gente grande. Nos últimos vinte e cinco anos ninguém me viu subir em uma árvore ou me jogar do alto de um trampolim ou dar uma estrela. Onde está minha criança? Olhe bem dentro de meus olhos. Não, de longe não. Venha mais perto. Eu ajudo, deixa eu tirar estes óculos de gente grande. Olha bem. Viu o brilho no fundo dos meus olhos? Pois é, esse é o brilho da estrela onde mora minha criança, desde que li O Pequeno Príncipe de Exupéry pela primeira vez. A diferença é que minha criança não tem uma rosa só, tem um jardim fantástico que aprendeu a cultivar com Tistu, O Menino do Dedo Verde de Maurice Druon.
Mas não pára por aí não. Minha criança tem também uma canastrinha como a da boneca Emília, de onde tira coisas estupendas; e um monte de amigos dos mais maravilhosos: fadas, piratas, crianças que não querem crescer, sereias, deuses do Sol e da Lua, Leões que morrem e vivem de novo, animais falantes, além, é claro, de elfos e hobbits que conheceu na Middle Earth de Tolkien. E uma vitrola de onde saem músicas lindas, e uma estante mágica com livros de ilustrações fantásticos e todas as fábulas que os Irmãos Grimm compilaram, além de – maravilha das maravilhas! – um aparelho de televisão onde só passam cartoons BONS! Josie e as Gatinhas, Os Flintstones, Laboratório do Dexter, Os Impossíveis, Penélope Charmosa e a Quadrilha de Morte, todos desfilam pela tela o dia inteiro, alegrando a vida da minha criança. Essa criança que mora numa estrela que se reflete no fundo dos meus olhos. Sou, definitivamente, sou do Exército de Pedro.
Quem tem (outro suspiro) mais de trinta como eu, lembra-se de uma penca de cartoons fantásticos da Hanna-Barbera, que infelizmente hoje em dia não passam mais. Eu adorava vários deles, mas dei por estes dias para lembrar do Lobo Bobo. Lembram, balzacas? Aquele lobo magricela que vivia correndo atrás de um carneirinho minúsculo que era protegido por um cão pastor gigantesco com uma franja que lhe cobria os olhos. O Lobo maquinava, tentava de tudo para pegar o petisco lanudo, mas na hora “H” o pequeno gritava “É o Lobo! É o Lobo!” E lá vinha o Cão, e lá ia o Lobo pelos ares gritando “Você não tem esportiva!”
Muito bom! Como diz o Calvin, gosto de humor físico, tortas na cara e bigornas caindo. Mas a lembrança deste cartoon em particular não é devida ao fato dele ser um de meus preferidos, ou de ter um valor maior que os outros na minha memória. Não. Foi por causa da imagem do carneiro, do lobo e do cão pastor.
Parênteses
Tenho um Amigo. Nossa!, dirão vocês, ela tem um amigo! Que chocante! Pois é, tenho um Amigo. O Melhor de todos os amigos. Epa! Espera aí, antes que vocês comecem a levantar e ir embora, não vou pregar nada, não vou pedir dinheiro por uma causa, nem vou falar nada a respeito do meu Amigo. Basta que vocês saibam esta coisa a meu respeito: tenho um Amigo.
De volta à nossa programação
Àqueles que lembram do Lobo Bobo, eu pergunto: onde estava o pastor? Víamos o lobo se esgueirando por toda a parte, o carneirinho inocentemente vagando por aí, e a presença atenta e protetora do cão. Mas onde estava o Pastor? Será que ele estava, como o Imperador – Pai do Leão Aslan nas Crônicas de Narnia de C.S. Lewis – “do outro lado do oceano”? Onde andava este Pastor aparentemente tão displicente, que deixa seus carneirinhos à mercê de um lobo faminto? Que Pastor é esse que entrega seu rebanho à própria sorte?
A questão central é: estava mesmo o rebanho entregue à própria sorte? Não víamos, episódio após episódio, que quando tudo parecia perdido o cão aparecia e triturava o lobo? Esse cão aparecia do nada, e o lobo imediatamente se lascava! Por isso o carneirinho era tão confiante. Ele bem sabia quem o protegia. Ele sabia que o lobo nada podia contra aquele cão. E também sabia que o cão jamais o abandonaria. Bom para um carneiro saber tudo isso, né?
Carneiros e Lobos
Outro dia conversava com um amigo – não O Amigo, um amigo, que infelizmente não pertence ao Exército de Pedro, pouco soube o que era ser criança de verdade, e hoje é um adolescente sério, sério, que lê Nietzsche e acha que tudo é em vão – e este me dizia que não acreditava em Deus, que não era religioso por ser por natureza um lobo e não uma ovelha. “Qual o problema em ser uma ovelha?” perguntei. Ao que ele respondeu “Sue, você também não é um a ovelha, apesar de querer ser”.
Parei tudo. Pensei. É, não sou uma ovelha. Posso ser muitas coisas, mas dentre minhas qualidades ocultas e meus defeitos patentes não se encontra nenhuma característica de ovelha. Não possuo nem um átomo de mansidão, nem sou indefesa, nem fico quietinha quando me levam para o matadouro. Muito pelo contrário, a simples sugestão de tal coisa me faz gritar e espernear feito uma louca. Matadouro uma ova! Eu sou agressiva e intensa, tanto nas coisas que gosto quanto nas coisas que não gosto. Entre o preto e o branco aceito no máximo uns quatro tons de cinza. E deixa alguém me pisar nos calos (metaforicamente, pois não tenho calos de verdade)! O sangue calabrês de minha avó paterna me sobe à cabeça, e aí não me responsabilizo mais. Menos ovelha, impossível. Será que eu sou um lobo?, pensei desolada...
A opção cão pastor
Meu amigo já esfregava as mãos e afiava o garfo e a faca, pensando: agora ela está perdida! Não sai desta. Só que eu lembrei de uma coisa. Perguntei a ele: “De onde vêm os cães?” “Como?!?!”, perguntou ele meio confuso. “De onde vêm os cães?” repeti. “Ora, eles vêm dos lobos.”
Não é que vêm mesmo? Olha só, eu estava tão triste, me sentindo obrigada a optar entre ser uma ovelha, fraquinha, indefesa – e boa – e ser um lobo, forte, astucioso – e malvado. Mas me lembrei que os cães são lobos que escolheram ser fortes, astuciosos – e bons. Esta opção do malvado forte contra o bonzinho fraco é uma mentira. As pessoas são fracas ou fortes – ovelhas ou lobos. Tanto as ovelhas quanto os lobos, uma hora ou outra, têm de escolher se vão ou não ser bons. Se você nasceu lobo, não se desespere. Treine para ser um Cão Pastor quando crescer. E saia por aí protegendo as Ovelhinhas e triturando os Lobos Maus.
Em tempo
Aos membros de sociedades protetoras de animais, já declaro logo: o Lobo a que me refiro é o Lobo dos contos de fadas e fábulas. Nestes lugares ele aparece com esta coloração de astúcia mesclada com maldade. Nada tenho contra o animal lobo, que é leal à família e afetuoso com seus filhotes, e se come ovelhas, bem, nós também comemos. Agora, com licença, meu surto de La Fontaine passou e está na hora do lanche. Bom apetite!
26.9.02
Adoro ganhar presentes! Especialmente presentes que mostram a procupação de agradar àquele que recebe. Muitos presentes são dados por obrigação, são coisas sem significado. Mas uma pessoinha querida se deu ao trabalho de fazer o banner abaixo e me enviar... este para mim é um presente sem preço! É mais que presente, é carinho personificado. Obrigada, minha Lobinha! Um beijo comovido e agradecido da sua Brabuleta Azul!
Um beijo no seu coração!
Um beijo no seu coração!
25.9.02
Declaração de Amor aos Carneiros Pretos
Queridos amigos, cada vez mais queridos:
Estas senhoras, supostamente chamadas de Acelina Maria Nóbrega Moreira e Silmara Adib Lins, saídas sabe Deus de que bordel baixo da periferia de São Paulo, desenvolveram uma obssessão sexual -- primeiramente pelo Dennis, depois pelo Alex, e finalmente por MIM (!?!?) -- e não querem, apesar de pedidos educados e não tão educados que já foram feitos, deixar ninguém para lá. O tal deus que estas criaturas adoram deve ser um chifrudo qualquer, que as incendiou com uma sexualidade doentia, que as faz buscar o sexo virtual do tipo mais grosseiro nos chats da UOL, a pretexto de levar "salvação" para lá. Tenho recebido via e-mail todo o tipo de história a respeito destas senhoras, que me arrepiam os cabelos! E elas preferem os homens com mais de quarenta e os com menos de 25 anos...
O ataque destes seres abissais, no entanto, acabou por ser uma bênção disfarçada. Nunca me sinto mais feliz ou amada que quando meus amigos se levantam indignados para fazer minha defesa. O carinho de vocês, meninos, é fonte de alegria e felicidade inesgotável. Cada comment, cada post, cada indignada defesa do Alex, cada fina ironia do Alexandre, cada palavra de apoio do Dennis (com DOIS ENES!) e do Matusca, cada carinhoso comment do Félix, me fazem sorrir e agradecer ao MEU Deus por ter colocado pessoas do quilate de vocês no meu caminho. E de ter feito um contraponto tal -- mostrando toda a baixeza do mundo presente nestas mulheres ditas "religiosas" -- para que eu saiba exatamente o valor de cada um. Eu sei quem sou. Sei quem elas são, mas descubro cada dia mais maravilhada que pessoas encantadoras VOCÊS são.
AMO AMO AMO AMO AMO AMO AMO MUITO VOCÊS!!
Beijos em cada um da sua Butterfly
Sue
Meus amigos do Asa de Borboleta, dêem uma olhada no tamanho da baixaria, no blog Carneiro Preto!
http://karpreto.blogspot.com
Queridos amigos, cada vez mais queridos:
Estas senhoras, supostamente chamadas de Acelina Maria Nóbrega Moreira e Silmara Adib Lins, saídas sabe Deus de que bordel baixo da periferia de São Paulo, desenvolveram uma obssessão sexual -- primeiramente pelo Dennis, depois pelo Alex, e finalmente por MIM (!?!?) -- e não querem, apesar de pedidos educados e não tão educados que já foram feitos, deixar ninguém para lá. O tal deus que estas criaturas adoram deve ser um chifrudo qualquer, que as incendiou com uma sexualidade doentia, que as faz buscar o sexo virtual do tipo mais grosseiro nos chats da UOL, a pretexto de levar "salvação" para lá. Tenho recebido via e-mail todo o tipo de história a respeito destas senhoras, que me arrepiam os cabelos! E elas preferem os homens com mais de quarenta e os com menos de 25 anos...
O ataque destes seres abissais, no entanto, acabou por ser uma bênção disfarçada. Nunca me sinto mais feliz ou amada que quando meus amigos se levantam indignados para fazer minha defesa. O carinho de vocês, meninos, é fonte de alegria e felicidade inesgotável. Cada comment, cada post, cada indignada defesa do Alex, cada fina ironia do Alexandre, cada palavra de apoio do Dennis (com DOIS ENES!) e do Matusca, cada carinhoso comment do Félix, me fazem sorrir e agradecer ao MEU Deus por ter colocado pessoas do quilate de vocês no meu caminho. E de ter feito um contraponto tal -- mostrando toda a baixeza do mundo presente nestas mulheres ditas "religiosas" -- para que eu saiba exatamente o valor de cada um. Eu sei quem sou. Sei quem elas são, mas descubro cada dia mais maravilhada que pessoas encantadoras VOCÊS são.
AMO AMO AMO AMO AMO AMO AMO MUITO VOCÊS!!
Beijos em cada um da sua Butterfly
Sue
Meus amigos do Asa de Borboleta, dêem uma olhada no tamanho da baixaria, no blog Carneiro Preto!
http://karpreto.blogspot.com
24.9.02
Eu sou de um certo tipo de mulher totalmente fora de moda nestes dias de pompoarismos e orgasmos múltiplos. Sou uma mulher romântica. Sou uma daquelas que nem titubeia em desmarcar um encontro marcado com a melhor amiga, porque o namorado não está se sentindo bem, e ir correndo até a cozinha preparar um cházinho ou uma sopa.
Esse tipo de mulher consegue milagres. Constrói castelos e pontes e torres e estradas mesmo tendo recebido do amado apenas um fiapo. O problema é que, enquanto decoramos nossos castelos com as mais lindas obras de arte, e pavimentamos nossas estradas com tijolos de ouro, e plantamos trepadeiras mágicas em torno de nossas torres, o amado concreta e friamente sabe ter dado apenas um fiapo.
Vivemos do fiapo, e o fiapo torna-se a razão de nossa existência. Mas continua fiapo, inescapavelmente fiapo. E toda a montanha de outras coisas que o amado é e não nos deu pode se transformar em uma avalanche que soterra nosso fiapo. Resolvi escapar com o meu fiapo antes que ele seja soterrado. Guardo o fiapo no fundo do coração, e sigo minha vida amando a ELE e a meus amigos queridos todos, até que apareça um homem que queira dividir todos os seus fiapos comigo.
Enquanto isso, a presença DELE canta no meu sangue.
A Case of You
Joni Mitchell
Just before our love got lost you said,
"I am as constant as a northern star."
And I said, "Constantly in the darkness,
Where's that at?
If you want me I'll be in the bar."
On the back of a cartoon coaster
In the blue TV screen light
I drew a map of Canada
Oh Canada
With your face sketched on it twice
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
And I would still be on my feet
Oh I would still be on my feet
Oh I am a lonely painter
I live in a box of paints
I'm frightened by the devil
And I'm drawn to those ones that ain't afraid
I remember that time you told me, you said,
"Love is touching souls"
Surely you touched mine
'Cause part of you pours out of me
In these lines from time to time
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
Still, I'd be on my feet
I would still be on my feet
I met a woman
She had a mouth like yours, she knew your life
She knew your devils and your deeds
And she said, "Go to him, stay with him if you can
But be prepared to bleed"
Oh but you are in my blood
You're my holy wine
You're so bitter, bitter and so sweet
Oh, I could drink a case of you, darling
Still I'd be on my feet
I would still be on my feet
Esse tipo de mulher consegue milagres. Constrói castelos e pontes e torres e estradas mesmo tendo recebido do amado apenas um fiapo. O problema é que, enquanto decoramos nossos castelos com as mais lindas obras de arte, e pavimentamos nossas estradas com tijolos de ouro, e plantamos trepadeiras mágicas em torno de nossas torres, o amado concreta e friamente sabe ter dado apenas um fiapo.
Vivemos do fiapo, e o fiapo torna-se a razão de nossa existência. Mas continua fiapo, inescapavelmente fiapo. E toda a montanha de outras coisas que o amado é e não nos deu pode se transformar em uma avalanche que soterra nosso fiapo. Resolvi escapar com o meu fiapo antes que ele seja soterrado. Guardo o fiapo no fundo do coração, e sigo minha vida amando a ELE e a meus amigos queridos todos, até que apareça um homem que queira dividir todos os seus fiapos comigo.
Enquanto isso, a presença DELE canta no meu sangue.
A Case of You
Joni Mitchell
Just before our love got lost you said,
"I am as constant as a northern star."
And I said, "Constantly in the darkness,
Where's that at?
If you want me I'll be in the bar."
On the back of a cartoon coaster
In the blue TV screen light
I drew a map of Canada
Oh Canada
With your face sketched on it twice
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
And I would still be on my feet
Oh I would still be on my feet
Oh I am a lonely painter
I live in a box of paints
I'm frightened by the devil
And I'm drawn to those ones that ain't afraid
I remember that time you told me, you said,
"Love is touching souls"
Surely you touched mine
'Cause part of you pours out of me
In these lines from time to time
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
Still, I'd be on my feet
I would still be on my feet
I met a woman
She had a mouth like yours, she knew your life
She knew your devils and your deeds
And she said, "Go to him, stay with him if you can
But be prepared to bleed"
Oh but you are in my blood
You're my holy wine
You're so bitter, bitter and so sweet
Oh, I could drink a case of you, darling
Still I'd be on my feet
I would still be on my feet
22.9.02
A Humanidade e as Borboletas
A definição do que é um ser humano tem escapado igualmente aos grandes pensadores e ao homem comum. Sabemos todos o que um homem não é, mas quando paramos para pensar no que SOMOS, as definições falseiam. Somos filhos de alguém, mulheres e maridos de uma outra pessoa, somos filhos, somos sempre algo em relação a um outro. Diversos algos, ao longo de nossa existência, coisas que só determinam parcialmente quem somos. Mas e nossa ESSÊNCIA, qual é? O que distingue absolutamente um ser humano de uma coisa não-humana? O ser humano sente. Bem, quem tiver animais de estimação em casa saberá imediatamente que isto não é uma prerrogativa humana. O ser humano ama. Bem, os cães também amam, e os gatos. O que, oh!, O QUÊ torna o homem tão claramente distinto dos outros animais?
O ser humano é o único animal com a audácia de tentar transcender a morte. Tem consciência da sua própria mortalidade e procura transpor o abismo entre a animalidade efêmera e a Eternidade usando a ponte da Cultura. Toda a produção cultural, desde as pinturas nas cavernas, tem o objetivo último deixar sua marca eterna, em última análise enviar uma mensagem às gerações futuras: “EU estive aqui, e esta é a minha mensagem!”
Todo o artista, todo aquele que produz cultura verdadeira, está – tal qual batedor explorando terreno desconhecido – testando os próprios limites de sensibilidade. Os artistas verdadeiramente grandes arrebentam o próprio coração e a própria alma para avançar os limites de toda a humanidade. Todos nós nos tornamos maiores através das obras de Bach, Michelangelo, Shakespeare. Artistas verdadeiros alcançam novos patamares de humanidade, para que o rebanho venha vagarosamente atrás, lentamente deixando de ser de barro e tornando-se verdadeiramente os homens divinos que Deus planejara.
Estes batedores que mapeiam terreno desconhecido enfrentam questões morais de natureza muito diversa do rebanho que fica protegido e cuidado no terreno bastante familiar. Como atletas do espírito, levam ao limite a dor, o desespero, o lirismo, a beleza, a feiúra, tudo que está na composição de um ser humano. Não há buraco na alma que não seja explorado, verme debaixo de pedra que não seja cutucado. Alguns enlouquecem nestas explorações, outros se suicidam, outros descem ao abismo e não voltam. Mas nada disto invalida a busca. Alguns efetivamente tornam-se gigantes, e enobrecem a todos os outros.
A grande tragédia da modernidade é que o homem comum esqueceu a que custo a sua humanidade foi estabelecida. Arrogante, toma para si méritos que não são seus, e não honra mais o artista como portador do fogo divino. A mediocridade agora é paradigma, e aqueles que põe a mochila às costas e vão explorar a alma humana são “loucos”, “cães doentes”, “pecadores”. O homem médio perdeu a capacidade de reconhecer a grandeza de outrem, e toma sua baixeza como medida para o mundo.
Enquanto isto, há os seres humanos que verdadeiramente buscam o Alto. Estes fazem como as borboletas, que ficam 20 dias transformando a substância de si mesmas, para voar uma semana e morrer. Esta autoimolação pela beleza e pela liberdade de voar com as próprias asas, é, na minha opinião o maior Dom de Deus aos homens, e aqueles que não têm a força e a capacidade necessárias para obter este Dom, deveriam ficar em respeitoso silêncio e saber que sua paz de espírito e sua moralidade foi conquistada pelo sangue destes poucos.
Mas a humanidade não é mais o que foi. E parece cada vez mais distante do que deveria ser.
17.9.02
Delicadezas
Hoje foi um dia de pensar em delicadezas... sensações que eu guardo dentro de mim desde muito menina, ou mais recentes. O sentimento de segurança, de “agora posso dormir”, quando eu ouvia o “shhk-shkk” que as coxas da minha mãe faziam, roçando uma na outra, quando vestidas com meias de seda, voltando de uma festa. A gargalhada do meu pai. O cheiro do churrasco que ele fazia. Passear de carro deitada no banco de trás, vendo as nuvens passarem rápido.
O bolo de queijo da minha tia. Brincar com filhotinhos de cães e gatos. Deitar no colo da minha mãe. Ver um botão de rosa abrir nas roseiras da minha avó. Ouvir os contos de fada que ela me contava antes de dormir. Brincar de boneca. A delícia de pentearem meus cabelos. Fazer e receber cafuné. Ficar quietinha, escutando meu coração bater. Ler. Desenhar. Ouvir música. A primeira mordida em um fofo pudim de claras. Canções de ninar. Andar de mãos dadas.
Beijo na testa, beijo na ponta do nariz, beijo na bochecha, beijo. Sentar sozinha na praia, à tardinha, e escutar as ondas. Ganhar um presente que eu queria muito. Café da manhã na cama, no dia do meu aniversário. Ajudar a mãe a bater o bolo, e poder lamber a colher de pau depois. Brincar de massa de modelar. Enrolar brigadeiro.
O primeiro beijo do amado. O olhar especial, que ele reserva só para mim. Falar coisinhas sexy e amorosas ao telefone. Receber flores. Tomar sorvete no mesmo pote, revezando a colher. Usar lingerie de seda e renda. Estrear uma roupa nova. Esperar por uma festa. Salto alto. Dançar agarradinho.
Sensação de dever cumprido. Gavetas arrumadas. Sachês perfumados. Banheiro recém lavado. Lençóis recém trocados. Cheiro de lavanda. Passar hidratante no corpo. Deitar em uma cama macia, depois de um longo dia de trabalho. Um banho de hidromassagem. Cabelos sedosos e limpinhos, roçando o pescoço e as costas. Fazer a manicure.
São sensações e lembranças que me mantém inteira, quando pessoas à minha volta querem me desestruturar e convencer que – ao invés possuir asas de borboleta – devo tornar-me cinza e sem graça, cheia de regras e de “não podes”, sem gozar a vida, os amigos, as coisas belas. Para estas pessoas, isto é coisa de cadelas doentes. Para mim, é coisa de gente feliz. E, quanto mais eu vivo, quanto mais o tempo passa, mais preciosas estas pequenas delicadezas se tornam, mais inteira eu fico, e mais convencida: minha vocação é ser e fazer feliz.
15.9.02
Homenagem
Com todo o carinho e admiração, um pequeno presente ofertado ao meu amigo Dennis Pimentinha, para que ele saiba que ele é especial. Vamos em frente, Dennis, continue a pintar o mundo com suas cores fantásticas, assustadoras e maravilhosas, com o talento que só você possui. Deixe as criaturas do abismo falando sozinhas!
14.9.02
Coração, bate-bate. Respiração acelera. Pele arrepia. O sangue pulsa. O meio das pernas se umedece. Ela pressente a sua chegada. Com cuidados de Sherazade, banha-se em óleos, massageia, perfuma, escolhe sedas e rendados, música, comidas. Ele vem, ele vem. O pensamento lhe causa um calafrio que desce pela espinha e lhe esquenta as ancas como se ele já a tocasse ali.
Ela passa o dia em doce expectativa, seguindo a rotina de sempre e sorrindo para si, a imaginar o que cada um com quem se encontrava diria se percebesse as labaredas que lhe ardiam por dentro. À noite ele vem. A certeza lhe dava uma nova cadência ao andar, mais lânguida, mais atenta a cada movimento de seu corpo. Flutuava.
O dia passou, ela nem sabia como. Lembranças vagas de entrar e sair de lugares, falar, trabalhar. Não tinha ido ao trabalho de carro, não confiava em sua concentração ao volante. Ele vinha, ele chegava. Faltava pouco agora, e ele vinha. Satisfeita, repassava mentalmente todos os preparativos. Nada fora do lugar, a casa limpa, perfumada com velas aromáticas e incenso. A truta na geladeira, pronta para assar. O vinho ela trazia consigo, francês, sutil. A sobremesa, delicado flan, receita de sua avó. No equipamento de som, música instrumental, violões flamencos, que sempre a faziam mais sexy e receptiva. O que havia para dar errado? Nada, pensava feliz. E ele estava para chegar.
Com um sorriso brilhante para o porteiro, ela sobe. Enfia a chave na porta, abre ligeira, olhando o relógio e contando os minutos, organizando mentalmente as tarefas que faltavam para recebê-lo como queria. Aí, viu a luz da secretária eletrônica piscando. Mensagem...
Ela passa o dia em doce expectativa, seguindo a rotina de sempre e sorrindo para si, a imaginar o que cada um com quem se encontrava diria se percebesse as labaredas que lhe ardiam por dentro. À noite ele vem. A certeza lhe dava uma nova cadência ao andar, mais lânguida, mais atenta a cada movimento de seu corpo. Flutuava.
O dia passou, ela nem sabia como. Lembranças vagas de entrar e sair de lugares, falar, trabalhar. Não tinha ido ao trabalho de carro, não confiava em sua concentração ao volante. Ele vinha, ele chegava. Faltava pouco agora, e ele vinha. Satisfeita, repassava mentalmente todos os preparativos. Nada fora do lugar, a casa limpa, perfumada com velas aromáticas e incenso. A truta na geladeira, pronta para assar. O vinho ela trazia consigo, francês, sutil. A sobremesa, delicado flan, receita de sua avó. No equipamento de som, música instrumental, violões flamencos, que sempre a faziam mais sexy e receptiva. O que havia para dar errado? Nada, pensava feliz. E ele estava para chegar.
Com um sorriso brilhante para o porteiro, ela sobe. Enfia a chave na porta, abre ligeira, olhando o relógio e contando os minutos, organizando mentalmente as tarefas que faltavam para recebê-lo como queria. Aí, viu a luz da secretária eletrônica piscando. Mensagem...
7.9.02
Carta ao senhor do meu sentimento
Caríssimo...
Meu maior medo nesta vida é não dizer a tempo tudo que me permita abrir as asas de borboleta do meu coração e voar como todo ser humano nasceu para voar. Sabe lá quando um ultraleve desgovernado, uma bala perdida, um carro em alta velocidade ou outro desastre qualquer emudeçam para sempre minha voz?
Em meio às mil e uma ternurinhas que minha fantasia planejara oferecer a ti, das mil e uma noites de conversa ao pé do ouvido imaginadas, diante da realidade nua e crua da não-retribuição do meu amor – que continua impávido e intransigente, recusando-se a morrer – tenho de fazer uso de um talento maior que o meu, buscar o consolo em uma dor maior que a minha. Como a ave busca as correntes de ar quente para voar mais alto e mais longe.
Daqui do alto, te digo: tudo o que faço, tu fazes comigo. Tudo o que penso, comento contigo em meu coração. Tudo o que vejo de belo, envio como um postal mental para ti. Tua presença é tão forte, tão intensa, que quase consigo me enganar e achar que tu estás mesmo aqui.
Recebe esta canção como um beijo.
Se eu não te amasse tanto assim
(Herbert Vianna / Paulo Sérgio Valle)
Meu coração, sem direção
Voando só por voar
Sem saber onde chegar
Sonhando em te encontrar
E as estrelas
Que hoje eu descobri no seu olhar
As estrelas vão me guiar
Se eu não te amasse tanto assim
Talvez perdesse os sonhos
Dentro de mim
E vivesse na escuridão
Se eu não te amasse tanto assim
Talvez não visse flores por onde eu vim
Dentro do meu coração
Hoje eu sei, eu te amei
No vento de um temporal
Mas fui mais, muito além
Do tempo do vendaval
Nos desejos, num beijo
Que eu jamais provei igual
E as estrelas dão um sinal
Caríssimo...
Meu maior medo nesta vida é não dizer a tempo tudo que me permita abrir as asas de borboleta do meu coração e voar como todo ser humano nasceu para voar. Sabe lá quando um ultraleve desgovernado, uma bala perdida, um carro em alta velocidade ou outro desastre qualquer emudeçam para sempre minha voz?
Em meio às mil e uma ternurinhas que minha fantasia planejara oferecer a ti, das mil e uma noites de conversa ao pé do ouvido imaginadas, diante da realidade nua e crua da não-retribuição do meu amor – que continua impávido e intransigente, recusando-se a morrer – tenho de fazer uso de um talento maior que o meu, buscar o consolo em uma dor maior que a minha. Como a ave busca as correntes de ar quente para voar mais alto e mais longe.
Daqui do alto, te digo: tudo o que faço, tu fazes comigo. Tudo o que penso, comento contigo em meu coração. Tudo o que vejo de belo, envio como um postal mental para ti. Tua presença é tão forte, tão intensa, que quase consigo me enganar e achar que tu estás mesmo aqui.
Recebe esta canção como um beijo.
Se eu não te amasse tanto assim
(Herbert Vianna / Paulo Sérgio Valle)
Meu coração, sem direção
Voando só por voar
Sem saber onde chegar
Sonhando em te encontrar
E as estrelas
Que hoje eu descobri no seu olhar
As estrelas vão me guiar
Se eu não te amasse tanto assim
Talvez perdesse os sonhos
Dentro de mim
E vivesse na escuridão
Se eu não te amasse tanto assim
Talvez não visse flores por onde eu vim
Dentro do meu coração
Hoje eu sei, eu te amei
No vento de um temporal
Mas fui mais, muito além
Do tempo do vendaval
Nos desejos, num beijo
Que eu jamais provei igual
E as estrelas dão um sinal
Hoje escutei pela primeira vez todo o disco "Se eu não te amasse tanto assim", da Ivete Sangalo, onde ela canta músicas antigas e novas, todas lindas, falando sobre amor. Por acaso, as duas primeiras músicas são de uma pessoa que tem uma ligação forte com a minha infância.
Ser filha de milico é uma coisa engraçada. Somos todos ciganos, de tanto em tanto tempo arrumamos nossas coisas e partimos para uma cidade nova. Não conseguimos fazer amizades duradouras fora do âmbito militar, porque ficamos pouco tempo com as pessoas de fora. Mas temos sempre contato com os outros filhos de oficiais enquanto crescemos, mesmo à distância. É esquisito, você vê seus amigos muito pouco, mas sempre sabe onde e como eles estão. Talvez filhos de diplomatas tenham a mesma sensação esquisita.
O acaso, no entanto, fez com que eu passasse sete anos seguidos da minha vida, dos sete aos treze anos, morando em Brasília. Nesta época foi que eu e meus irmãos estabelecemos contato com as pessoas que chamamos de "amigos de infância". Alguns deles eu nunca mais vi. Outros eu encontro de uma forma bissexta, e outros estão sempre por aqui. Mas com todos eles eu tenho uma ligação forte, diferente das amizades que estabeleci com pessoas só minhas, fora do ambiente militar, depois que entrei na faculdade e me estabeleci definitivamente no Rio de Janeiro.
Eu lembro que, quando cheguei em Brasília, em 1972, havia poucas meninas da minha idade para brincar. Meu irmão mais velho, no entanto, fazia parte de um grupo enorme de meninos, alguns deles já conhecidos, vindos do Rio como nós. Era uma matilha do barulho, sempre aprontando alguma pelas superquadras próximas. Eles faziam carrinhos de rolimã, e voavam pelas rampas de acesso aos prédios. Inventaram um jogo que lembrava de longe o baseball, jogado com pedaços de pau e um bola de tênis, que era pretexto para tantos palavrões que arruinaram para sempre um papagaio do nosso bloco. Eu fui testemunha de campeonatos e campeonatos de futebol de botão, e longas corridas de autorama no quarto do meu irmão. Eles não me deixavam participar, principalmente depois que os venci numa partida de botão. Mas eles eram fascinantes para mim – ah, se eram –, e eu os observei toda a minha infância.
No meio desta multidão de moleques, havia um que imediata e naturalmente tomou a liderança do grupo. Ele era filho do meio da família Vianna do 302, dois andares abaixo de nós, que morávamos no 502. Lá não havia meninas, mas eu me tomei de amores pela mãe deles, que muitos anos depois tornou-se minha madrinha de crisma. Passei boas horas aprendendo crochê com a Tia Teka, escutando aquele cantadinho gostoso da Paraíba. Os meninos passavam voando para lá e para cá o dia todo. O nome daquele menino especial? Herbert.
Ele era uma coisinha magra e cabeluda (sério!) que nunca parava quieta, e que logo inventava apelidos para todos os meninos do grupo. Meu irmão rapidamente virou Egg, depois do dia que o barbeiro exagerou no corte e revelou o oval perfeito da cabeça dele. Herbert – junto com o irmão Hermano – nos apresentou músicos como Elton John, David Bowie (como eu achava horrível a capa do disco Diamond Dogs!), Michael Hedges, Santana e tantos outros. Ele era um furacão, e quem o conheceu menino já sabia que nada menos que uma parede e tijolos seria capaz de pará-lo. Não foi uma parede de tijolos, foi a força da natureza que o fez pausar. Que pausa dolorida! Justo quando ele estava vivendo uma fase de vida tão boa, criando suas músicas e seus filhos, cercado da admiração de seus fãs e de seus pares, ao lado da mulher amada.
Hoje eu não convivo mais com ele, tomada pelo pudor de quem não quer ver seu carinho confundido com piedade ou curiosidade barata. Falo ocasionalmente com minha madrinha, tornada mãe novamente pela força das circunstâncias. Ele é forte, e eu espero que ele desafie os deuses, como fez Prometeu, até que estes o perdoem por roubar o fogo criativo e oferecê-lo aos homens. Mas sei que vai ser uma caminhada de passo de formiguinha, com o mundo todo nas costas. Quem daquele grupo imenso de crianças pensaria que isto ia acontecer com o melhor de nós?
Algumas tragédias simplesmente não têm explicação.
Ser filha de milico é uma coisa engraçada. Somos todos ciganos, de tanto em tanto tempo arrumamos nossas coisas e partimos para uma cidade nova. Não conseguimos fazer amizades duradouras fora do âmbito militar, porque ficamos pouco tempo com as pessoas de fora. Mas temos sempre contato com os outros filhos de oficiais enquanto crescemos, mesmo à distância. É esquisito, você vê seus amigos muito pouco, mas sempre sabe onde e como eles estão. Talvez filhos de diplomatas tenham a mesma sensação esquisita.
O acaso, no entanto, fez com que eu passasse sete anos seguidos da minha vida, dos sete aos treze anos, morando em Brasília. Nesta época foi que eu e meus irmãos estabelecemos contato com as pessoas que chamamos de "amigos de infância". Alguns deles eu nunca mais vi. Outros eu encontro de uma forma bissexta, e outros estão sempre por aqui. Mas com todos eles eu tenho uma ligação forte, diferente das amizades que estabeleci com pessoas só minhas, fora do ambiente militar, depois que entrei na faculdade e me estabeleci definitivamente no Rio de Janeiro.
Eu lembro que, quando cheguei em Brasília, em 1972, havia poucas meninas da minha idade para brincar. Meu irmão mais velho, no entanto, fazia parte de um grupo enorme de meninos, alguns deles já conhecidos, vindos do Rio como nós. Era uma matilha do barulho, sempre aprontando alguma pelas superquadras próximas. Eles faziam carrinhos de rolimã, e voavam pelas rampas de acesso aos prédios. Inventaram um jogo que lembrava de longe o baseball, jogado com pedaços de pau e um bola de tênis, que era pretexto para tantos palavrões que arruinaram para sempre um papagaio do nosso bloco. Eu fui testemunha de campeonatos e campeonatos de futebol de botão, e longas corridas de autorama no quarto do meu irmão. Eles não me deixavam participar, principalmente depois que os venci numa partida de botão. Mas eles eram fascinantes para mim – ah, se eram –, e eu os observei toda a minha infância.
No meio desta multidão de moleques, havia um que imediata e naturalmente tomou a liderança do grupo. Ele era filho do meio da família Vianna do 302, dois andares abaixo de nós, que morávamos no 502. Lá não havia meninas, mas eu me tomei de amores pela mãe deles, que muitos anos depois tornou-se minha madrinha de crisma. Passei boas horas aprendendo crochê com a Tia Teka, escutando aquele cantadinho gostoso da Paraíba. Os meninos passavam voando para lá e para cá o dia todo. O nome daquele menino especial? Herbert.
Ele era uma coisinha magra e cabeluda (sério!) que nunca parava quieta, e que logo inventava apelidos para todos os meninos do grupo. Meu irmão rapidamente virou Egg, depois do dia que o barbeiro exagerou no corte e revelou o oval perfeito da cabeça dele. Herbert – junto com o irmão Hermano – nos apresentou músicos como Elton John, David Bowie (como eu achava horrível a capa do disco Diamond Dogs!), Michael Hedges, Santana e tantos outros. Ele era um furacão, e quem o conheceu menino já sabia que nada menos que uma parede e tijolos seria capaz de pará-lo. Não foi uma parede de tijolos, foi a força da natureza que o fez pausar. Que pausa dolorida! Justo quando ele estava vivendo uma fase de vida tão boa, criando suas músicas e seus filhos, cercado da admiração de seus fãs e de seus pares, ao lado da mulher amada.
Hoje eu não convivo mais com ele, tomada pelo pudor de quem não quer ver seu carinho confundido com piedade ou curiosidade barata. Falo ocasionalmente com minha madrinha, tornada mãe novamente pela força das circunstâncias. Ele é forte, e eu espero que ele desafie os deuses, como fez Prometeu, até que estes o perdoem por roubar o fogo criativo e oferecê-lo aos homens. Mas sei que vai ser uma caminhada de passo de formiguinha, com o mundo todo nas costas. Quem daquele grupo imenso de crianças pensaria que isto ia acontecer com o melhor de nós?
Algumas tragédias simplesmente não têm explicação.
2.9.02
Tem certas coisas que só um grande poeta sabe dizer a contento... e este é um dos maiores de língua portuguesa. Espero poder recitar este poema para ELE um dia. Sem chorar.
Volta
(Manuel Bandeira)
Enfim te vejo. Enfim no teu
Repousa meu olhar cansado.
Quanto o turvou e escureceu
O pranto amargo que correu
Sem apagar teu vulto amado!
Porém já tudo se perdeu
No olvido imenso do passado:
Pois que és feliz, feliz sou eu.
Enfim te vejo!
Embora morra incontentado,
Bendigo o amor que Deus me deu.
Bendigo-o como um dom sagrado.
Como o só bem que há confortado
Um coração que a dor venceu!
Enfim te vejo!
Volta
(Manuel Bandeira)
Enfim te vejo. Enfim no teu
Repousa meu olhar cansado.
Quanto o turvou e escureceu
O pranto amargo que correu
Sem apagar teu vulto amado!
Porém já tudo se perdeu
No olvido imenso do passado:
Pois que és feliz, feliz sou eu.
Enfim te vejo!
Embora morra incontentado,
Bendigo o amor que Deus me deu.
Bendigo-o como um dom sagrado.
Como o só bem que há confortado
Um coração que a dor venceu!
Enfim te vejo!
1.9.02
Vejam só, esta coisa de testes na Internet até que é divertida??? Estava visitando o querido ancião Matusalém Matusca, e vi este teste das vidas passadas... e o resultado foi interessante...
What Was Your PastLife?
What Was Your PastLife?
Aprendi umas coisinhas durante a minha estadia no casulo. A primeira, e mais importante, veio de uma frase de um amigo querido: "Sue, não se entrega a chave do desejo a qualquer um, nem se deve implorar que alguém a pegue." Realmente, amor é algo que só se oferece uma vez. A insistência é chata, e magoa quem oferece e quem recusa.
A segunda é que este sentimento não vai embora. Ele está aqui para ficar.
Terceiro, descobri a principal fonte do meu sofrimento. Eu precisei amputar algo em nascimento, o que sempre me causa um mal-estar terrível. Enquanto há um fiapo de esperança de salvação, eu preservo. O problema, neste caso, é que não existe sequer um fiapo de esperança. Então, subi o monte, levei meu filho primogênito ao altar do Senhor, e o imolei. Matei meu unicórnio.
A melhor descoberta, a que me deu finalmente forças para sair do casulo, foi a de que, ao matar a possibilidade de realização deste sentimento, eu o introjetei, e hoje ele é parte de mim, inextricável. A única forma que eu encontrei de conviver com ele sem enlouquecer foi de tentar transmutá-lo em algo mais difuso, que hoje funciona como a pele da minha alma, recobre tudo o que eu faço, é parte de mim.
Por enquanto, sofro ainda de uma dor difusa, um excesso de sensibilidade, como a pele nova de um corte, ou a pontada de uma nova cicatriz. Com o tempo, eu sei, a cicatriz vai doer menos, e se a tristeza permanece, permanece como algo lírico, mais uma gota de melancolia no meu olhar. Mas a possibilidade da alegria, que tinha partido, está de volta.
Saí do casulo. Minhas asas ainda estão amarfanhadas e molhadas, mas estão ficando maiores, mais fortes, mais bonitas.
A segunda é que este sentimento não vai embora. Ele está aqui para ficar.
Terceiro, descobri a principal fonte do meu sofrimento. Eu precisei amputar algo em nascimento, o que sempre me causa um mal-estar terrível. Enquanto há um fiapo de esperança de salvação, eu preservo. O problema, neste caso, é que não existe sequer um fiapo de esperança. Então, subi o monte, levei meu filho primogênito ao altar do Senhor, e o imolei. Matei meu unicórnio.
A melhor descoberta, a que me deu finalmente forças para sair do casulo, foi a de que, ao matar a possibilidade de realização deste sentimento, eu o introjetei, e hoje ele é parte de mim, inextricável. A única forma que eu encontrei de conviver com ele sem enlouquecer foi de tentar transmutá-lo em algo mais difuso, que hoje funciona como a pele da minha alma, recobre tudo o que eu faço, é parte de mim.
Por enquanto, sofro ainda de uma dor difusa, um excesso de sensibilidade, como a pele nova de um corte, ou a pontada de uma nova cicatriz. Com o tempo, eu sei, a cicatriz vai doer menos, e se a tristeza permanece, permanece como algo lírico, mais uma gota de melancolia no meu olhar. Mas a possibilidade da alegria, que tinha partido, está de volta.
Saí do casulo. Minhas asas ainda estão amarfanhadas e molhadas, mas estão ficando maiores, mais fortes, mais bonitas.