18.3.03



Abro a porta. Faz um tempo que não entro aqui. Está escuro, as janelas fechadas tornando o ar viciado. Uma fina camada de poeira branca cobre tudo, como um manto de esquecimento. Um livro esquecido, aberto, as páginas repousando sobre a mesa.Um casaco jogado, esquecido, no braço da poltrona. Tudo aqui cheira à negligência, onde um dia tudo era cuidado. Mas o dom da cura é o maior presente que o ser humano recebeu de Deus. Abro as janelas de sopetão, escancarando-as.

Os pequenos grãos de poeira flutuam no ar, refletindo a luz com um milhão de liliputianos flocos de neve. Eu um dia sentei aqui, nesta poltrona, e me predispus a escrever sobre minha borboleta. Sobre minhas aventuras no casulo. As palavras estão aqui e ali, um versinho encostado no peitoril da janela logo voa para o meio da rua. Vai, filho meu, tua mãe te criou mesmo para os outros. Corre, ganha o mundo. Abro a gaveta, encontro esperanças que estavam perdidas. Lá no fundo, uma encharpe de seda colorida como asas de borboleta, esquecida.

Algo acontece. Não sei dizer o que é, mas é algo que já devia ter acontecido. A encharpe, na mão, encosto-a no rosto. Ainda cheira a lavanda. Decidida, expulso a poeira com este pedaço de pano colorido, que estala na minha mão como achas na lareira. A luz que vem das janelas expulsa alguns fantasmas que estavam escondidos nas entrelinhas. Quase danço agora, acariciando as lombadas dos livros com minha seda asa-de-borboleta. Os títulos, em folha de ouro, brilham agradecidos.

Estou aqui, estou aqui, estou de volta! Meu sonho, minha alma, minha alegria, minha esperança, cheguei. Viajei longe, mergulhei fundo, perdi mundos, ganhei paraísos. Parti meu coração um milhar de vezes, em um milhão de pedaços. Mas aqui é minha casa, e não há aventura que não acabe com a volta ao lar. Esta sala, dolorosamente vazia sem ELA, que me guia, que me consola, que me bate se faço besteira. Mas hei de tornar este lugar novamente no lugar mágico que ela gostava de visitar.

E a obra de renascimento continua, a limpeza, a dança no meio da poeira. Ligo o som, e o cantor me encoraja... "Sueña..." .

Sim, a borboleta fugiu no meio de tanta tempestade. Mas ela vai voltar, porque eu finalmente descobri seu nome.

Seu nome é AMOR.

(Para Dennis)

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