15.4.04







Carta para dentro do labirinto



Querido,

Você mora num labirinto de flores e cercas-vivas, mas cercado de um alto muro de pedra. Só os pequenos animais e as flores conseguem chegar até você. Aqueles que são capazes de ser carregados na brisa, voar por sobre o muro ou rastejar por baixo dos arbustos. Você fica a sonhar cercado de verde, imerso em profundo isolamento. Você quer, diz que quer, o abraço do outro ser humano, quer um verde que não venha de uma folha, quer um azul que não venha do céu, quer um ocre que não seja o da terra sob seus pés...

Mas onde está a saída? Você está preso, dentro desta cama verde, com este dossel azul, e estas bordas de granito. Faz o esforço para sair, mas não sabe onde está a porta para o lado de fora deste seu mundo mágico e vazio. Dentro deste mundo há a música, a beleza, a ordem... mas aqui fora há vida e aventuras. Vai ser preciso criar esta porta em algum lugar, ou criar um caminho mágico que o eleve por sobre o muro.

O caminho que me levou até você foi o caminho das palavras e da sensibilidade, mas a sua sensibilidade sem o exercício da troca virou um bichinho arisco, e, ao menor sinal de movimento nas folhas, corre e se esconde cada vez mais fundo. Eu não tenho acesso a este nível mais profundo, pois sua muralha ainda está erguida. Eu esbarro nela toda vez que tento me aproximar. Você nem tem idéia do tamanho do meu afeto por você, eu fico daqui de longe rezando e torcendo que você ache o caminho para fora deste labirinto onde você está, mas não posso entrar para buscá-lo, senão nos perdemos os dois. E, depois do que aconteceu com Ariadne, tenho os meus receios de lançar fios de salvação.

A preocupação com seu bem-estar é grande, como também é grande a vontade que você expanda seus caminhos. Fico meditando a respeito de como fazer para ajudar você a sair, já que não tenho as tranças compridas de Rapunzel, nem o tapete mágico de Aladin. Eu vejo as suas “tentativas destrambelhadas” de pular o muro que está começando a machucar você, e só o que posso fazer é estender a mão e esperar. Entrar não posso, esta muralha circular coberta de limo é espessa e impossível de se escalar.

Você é importante para mim, e nunca tive pudor de expressar isto. A mão está estendida, sempre esteve. Estou aqui, sem nenhuma intenção belicosa, qual um bichinho a mostrar a barriga. Como todo bicho sabe, este é o maior gesto de submissão que se pode fazer. Se você morder, eu sangro. Os animais geralmente respeitam este gesto de submissão e cessam qualquer briga. Pena que os seres humanos não são mais regidos pelo instinto, e podem muito bem morder a garganta oferecida. Já aconteceu comigo algumas vezes. Não é seu caso, de forma alguma, mas como os muros são geralmente construídos de medo, tentei mostrar que não há nada que você possa temer em mim. Não há MESMO.

Não é também cobrança alguma, nem estou exigindo que você me abra as portas do seu coração; apenas manifesto o sentimento de cuidado e reverência com que tratarei seu gesto, porventura ele aconteça. Seus sentimentos íntimos são tesouros de sensibilidade que vislumbro por entre suas palavras escritas e alguns pequenos gestos inconscientes. Vê-los diretamente, expostos como as jóias que são, diante de meus olhos, seria realmente especial e algo muito valorizado por mim.

Quem sabe um dia, conversando, descubramos qual a palavra mágica que cria o portão do seu mundo para o meu.

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