"... o pensamento simples, a intenção inocente, a sua transformação natural em coisa muito grande, a capacidade de sustentar brava e alegremente esta coisa muito grande, a ausência da perda (ou a sua transformação em algo fértil e ainda maior e mais belo) e a perenidade." (Alfredo Votta)
Esta frase foi um soco no estômago. Visitava eu o blog de meu soberano e amigo Imperador da Svolonésia, e de seu texto suave vem um gancho que me agarra o coração e torce com força. Porque Alfredo, das profundezas de sua sensibilidade, consegue muitas vezes dizer o que todos nós sentimos com a exatidão do explorador viajado, que mapeou cada pedaço do caminho. There and back.
Falava ele de uma sonata de Schubert, mas falo eu de algo que acontece de vez em quando comigo. Esta frase descreve EXATAMENTE o tipo de amizade que ofereço, e o fato de eu oferecer coisa tão grande confunde e assusta as pessoas de intenções menores. Já fui chamada de carente, já fui chamada de sufocante, já fugiram de mim, já me rechaçaram com violência. Eu já me recolhi, ferida e perplexa, sem entender o motivo de tanta ruína onde só fora oferecido o bem. Já cheguei a questionar a estrutura mesma da minha personalidade, debruçando sem pena sobre ela e investigando-a com o cuidado de médico legista de seriado americano.
Mas a questão é esta: não posso, não quero e não devo aleijar minha alma, cortando-lhe as pernas e os braços, para entrar em espaços onde ela não cabe. Eu posso, sim, e ofereço, a todos por quem tenho afeto, a força de minha lealdade, a maciez e o calor do meu abraço, o ouvido atento e o coração aberto. Ofereço mesmo os espaços abertos para o vôo, e sugiro que tentemos ver que chega mais alto. Ofereço o riso e o choro sinceros, a gargalhada solta.
Mas eu não vou, nem mesmo por quem amo muito - e eu amo MUITO - transformar uma sonata de Schubert num samba de uma nota só.
14.8.04
A amizade que se oferece
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