15.2.06

Eles pareciam confortáveis um com o outro, depois de tantos anos juntos. Ela tinha a sensação que ele sempre tinha estado ali, que sempre estaria, que o relacionamento dos dois era um mar cálido e manso, praticamente sem ondas. Um dia, ele a surpreendeu:

- Estou cansado.

- Cansado? De que?

- Sei lá, desanimado.

- Desanimado a respeito de que?

- Sei lá.

- Mas qual é o problema? Sei que estamos passando por momentos difíceis, mas nada tão difícil assim... a gente é feliz, não é?

- Você é feliz. Eu nunca fui feliz na minha vida.

Ela podia escutar o sibilar do vento enquanto o coração dela caía no precipício, e o aviso permitiu que ela conseguisse esconder com habilidade a dor intensa que sentiu quando ele se espatifou no chão. Milhões de pedacinhos rubros que ela ia ter de catar, um por um, e tentar juntar de novo. Mas agora não. Agora ela precisava conseguir sair do torpor que uma frase tão simples a fizera sentir.

Nunca foi feliz? Nunca? Tudo mentira, tudo ilusão, os risos, as brincadeiras, os jogos, o companheirismo, nada disso fora capaz por um só momento de fazê-lo sentir que estava pleno, completo, nem por um instante? Se isto era verdade, e ela sequer percebeu, com que é mesmo que ela se relacionara estes anos todos? De repente, o mar tranquilo e calmo virou um buraco negro. Tudo que a fazia sentir que era especial na vida dele sumira sem deixar vestígios.

Ah, a dúvida, a dúvida Otheliana, feroz, que insandece, que distorce a realidade e deixa uma pessoa que via tudo claramente tateando às cegas. Se isto era mentira, o que mais era mentira? Tudo era mentira? O desejo que ele sentia por ela era mentira também? Quando ele lhe dizia que era bonita, isto também era uma mentira gentil? Não poderia ser TUDO mentira, seria loucura que ele permanecesse a seu lado estes longos anos, não poderiam ter passado juntos tudo o que passaram, e vencido, se fosse tudo mentira. Mas agora, o fato novo sacudiu as estruturas de todos os fatos antigos, e a fez duvidar. Na falta de certeza do que duvidar, duvidava de tudo.

Ela morria por dentro e ele, ensimesmado, sequer percebia. E isto fazia ela pensar se algum dia se enxergaram, de verdade, um ao outro. O que os mantia juntos?

Verdade? Mentira?

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