21.3.05

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"pra te amar melhor

então porque você está me irritando? ele disse assim num misto de quase desligar na cara dela e desculpa embutido na frase despropositada. vendo o nervoso dele em tentar conter o ódio não direcionado a ela - que acabara de ser válvula de escape sem ter culpa da esporrada - e a espontaneidade da explosão, não sabia de ria ou se ofendia. o resultado foi uma leve alfinetada - comum a quem é ágil com as mãos - costurando um assunto no outro, como que numa colagem. emendou livros, sites, pessoas e envelopes numa alinhavada só. quando desligou o telefone, ela ria. não gargalhadas, mas aquele leve sorriso estático onde não há a necessidade de mostrar os dentes. então, por que você está me irritando? pra te amar melhor, meu amor, pra te amar melhor." (Crib Tanaka in Paralelos: 17 Contos da Nova Literatura, Editora Agir)


Ela entrara naquele cinema para assistir ao filme da vida dele, sabendo quase que de antemão o desenlace de algumas cenas, como costumava acontecer quando assistia às novelas da TV. Não é difícil prever as curvas do caminho que já se percorreu, pensava ela sentada no escuro do cinema. A escuridão escondia as lágrimas que ela não queria que ele visse, resultado da dor intensa que sentia ao ver tanta energia desperdiçada.

O filme desenrolava cada vez mais complexo, com tramas e subtramas, mas tudo parecia para ela cada vez mais simples. Sim raramente é para sempre, Não raramente volta atrás. O medo que dê errado compete ferozmente com a vontade de que dê certo, numa versão psicanalítica de Jacó e o Anjo. E ela não conseguia mais discernir se era um filme de ação, um drama ou uma comédia pastelão. O jeito era aguardar.

Quando a última cena apareceu na tela - a mocinha sentada só, numa sala de cinema - e as luzes se acenderam, ela percebeu que estava também só nesta sua sala de cinema. Ao olhar para trás, distraída, escutou o grito "Corta!" vindo de um homem que olhava para ela no escuro, por trás de uma câmera.

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