A Caridade e o Afeto – Entre Dois Amores
Aconteceu uma coisa engraçada com o último post. Enquanto que algumas amigas deixaram adoráveis comentários a respeito dele, alguns amigos foram do indiferente às vias de fato, pedindo inclusive que eu o retirasse. Sim, reparem bem, amigas de um lado, amigos de outro. Um deles cogitou que isto fosse “rabugice masculina”. Talvez, talvez. Mas acho que é mais complicado que isto.
O maior senso de estranhamento que senti dos meninos em relação ao post – onde presto uma homenagem ao bonito e forte sentimento de amor que liga um ser humano e um animal – foi que o post tratou um “mero” animal com emoção que deveria ser direcionada apenas ou principalmente aos humanos. A expressão mero animal é toda minha. Nenhum dos amigos que criticou o post a usou. Usaram outras: “sentimentalóide”, “Pollyana”, “parece um texto da Xuxa” (e eu nem sabia que a Xuxa sabia escrever!). Um amigo formalizou as objeções dele, dizendo que sente antipatia de militantes de “direitos dos animais”.
Enquanto falo tudo isto, quero declarar que não me incomodou nem ofendeu um átomo que seja a posição que qualquer amigo meu, mesmo as que foram mais vociferantes. Muito pelo contrário, acho bom que as pessoas sejam específicas a respeito de qualquer objeção que fazem ao que eu escrevo, pois me permite olhar o meu texto com outros olhos, e aprendo muito.
O fato é que a coisa fica resumida deste jeito: quem entendeu que o post era simplesmente a expressão da minha tristeza e zanga com os maus tratos a animais – e acha isto uma coisa positiva – gostou do post; quem achou que animais não merecem uma emoção deste tamanho; ou que um boi, um mosquito, um gato ou um cachorro são basicamente animais e matar um ou outro acaba dando no mesmo; ou ainda que eu devia me preocupar mais com os maus tratos a seres humanos que com animais, bem, estes não gostaram do texto. E todos eles têm direito à sua opinião.
E eu tenho direito de expressar a minha, sobre a qual meditei longamente durante a noite, antes de escrever isto. Piegas, sentimentalóide, pollyanística o quanto for, ela é a expressão do que penso e sinto, e acho que tenho de explicá-la melhor.
Eu já verbalizei neste blog diversas vezes e de diversas formas a minha religiosidade. E a religião cristã que abraço o tempo todo fala da igualdade e irmandade dos homens, todos filhos de um mesmo Deus. A Caridade com o próximo é a virtude mais forte que um ser humano pode ter. E eu abraço esta doutrina da caridade. Mas, e os animais? Têm mais valor que um ser humano? Não. Mil vezes não. No entanto... deixem-me colocar aqui uma pequena citação da MARAVILHOSA biografia de São Francisco de Assis escrita por G. K. Chesterton, recentemente traduzida e publicada pela Ediouro:
“Ele [o santo] não chamava a natureza de mãe; chamava um burrico específico de irmão ou uma pomba de irmã. Se chamasse uma garça de tia ou um elefante de tio, como possivelmente o faria, ainda assim estaria indicando que eles eram criaturas específicas às quais o Criador atribuíra um lugar particular, não meras expressões da energia evolutiva das coisas. É nisso que seu misticismo se aproxima tanto do senso comum da criança. Uma criança não tem dificuldades para entender que Deus fez o cão e o gato, mesmo que saiba que a criação de cães e gatos a partir do nada é um processo misterioso que está além de sua imaginação. Mas nenhuma criança entenderia qual a intenção de se misturar o cão, o gato, e tudo o mais para formar um monstro com inúmeras pernas e dar e ele o nome de natureza. A criança se recusaria terminantemente a entender um animal assim. São Francisco era um místico, mas acreditava no misticismo, não na mistificação. Como místico, era inimigo mortal de todos os místicos que diluíam as extremidades das coisas e as faziam desaparecer no seu ambiente. Era um místico da luz do dia e da escuridão, mas não um místico das coisas indefinidas. Era exatamente o oposto do visionário oriental que só é místico porque é cético demais para ser materialista.” (págs. 98/99)
Pois então. Eu chorei, e chorei MESMO, a morte do Yahoo, amigo do Mau - graças a Deus rápida e acidental, não fruto de maldade de terceiros -, que brinca tão lindo na foto com uma plantinha. Um gato tão parecido com minha gatinha Pompom. Como chorei a morte do cãozinho Buggie, que pertenceu à minha mãe e depois da sua morte a mim. Um cão que cuidei por 16 anos com muito afeto, e que deixou um oco no meu coração quando partiu. E acho monstruoso que alguém possa chutar um animal a ponto de afundar seu maxilar, como já me contaram, simplesmente porque não vê o sofrimento que causa, não enxerga.
Eu olho um menino de rua e não enxergo nem um problema nem uma ameaça, enxergo um menino. Eu olho um cão ou gato de rua e não enxergo um foco de zoonose, mas uma chaga na nossa condição humana. AQUELE cão, AQUELE gato, eles são nossa responsabilidade, e, se estão na rua, a culpa e a vergonha são nossas. Chutar, queimar, esfaquear ou envenenar só aumenta a chaga na nossa condição humana. E não venham me dizer que não. O homem é, sim, senhor da criação. Mas o que falar de um dono que flagela sua posse até a morte? E não, isso não é militância ecológica. É a expressão da minha consciência cristã.
Sei que o homem vem antes do animal, como a Caridade vem antes do afeto, mas confesso que – estando numa situação onde tivesse de escolher entre salvar a vida de minha gata Pompom e de Fernandinho Beira-Mar (ou mesmo de uma menina loira e linda como a menina Von Richtoffen, que tão docemente planejou o assassinato dos pais à pauladas) – pedia perdão a Deus e fazia a escolha do coração. E que Ele me perdoe se eu estiver errada.
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