29.8.02

Hoje a borboleta levou-me a passear. Fomos até a Floresta da Tijuca, estava fazendo um dia privilegiado de sol e céu muito azul, e os cariocas exerceram sua eterna preferência pelo mar. Eu e minha alada amiga fomos ao encontro das nossas pedras. Estávamos sós, eu e ela, numa paz de cigarra cantando ao longe, de riacho escorrendo pelo morro...

As asas dela faiscavam no sol, ficavam quase prateadas, ela estava linda, linda. Eu, pobre de mim, passando pela maior ressaca da minha vida, amassada e arrebentada como sapato tirado de boca de cachorro. Passei os últimos três dias em luto fechado, porque meu coração foi desenganado pelos médicos. "Amor impossível", foi o diagnóstico. Morte cerebral do sentimento em pouco tempo.

Lá estava eu, no meu lugar favorito entre todos, só com minha borboleta, deveria estar feliz, mas estava encafifada com a ironia profunda de certos desenlaces. Encostada na base de uma mangueira anciã, me quedei a ouvir o canto do riacho. O riacho, que tantas vezes ouvira cantar alegremente enquanto voava por cima das pedras, gemia lentamente. Pus-me a gemer também, e as lágrimas correram mais velozes que as águas aos meus pés.

A borboleta elevou-se no ar e começou a dançar ao sol. Ela virava aqui e ali como uma pipa, rebrilhando com seus reflexos prateados. Logo, milhares de borboletas se juntaram a ela. Borboletas de todas as cores, de todos os tamanhos, dançavam numa nuvem multicolorida acima da copa da mangueira.

Lembrei-me do discman na bolsa. Lembrei-me também que estava lá dentro o Requiem de Mozart, que tem sido meu companheiro incansável nestes últimos dias. Coloquei os fones de ouvido e comecei a tocar no random. As borboletas pareciam escutar a música também. A dança delas ficou ainda mais etérea ao som de Mozart.

"Rex tremendae majestatis,
Qui salvandos salvas gratis,
Salva me, fons pietatis"

Ah, amigas... a borboletas são as melhores amigas de quem sofre, porque a tragédia de uma beleza tão intensa e tão duramente conquistada ser tão efêmera parte seus corações desde seu nascimento. O casulo... sim, amigas, o casulo... mais um... sim... sim.

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