19.8.02

Ultimamente tenho dado para pensar em crianças. Todas elas. As menorezinhas então me deixam hipnotizada, acho que existem algumas mães nervosas andando por aí, achando que sou uma daquelas mulheres seqüestradoras de bebês. Mas não, as crianças me fascinam porque a criança que eu esperava ter está murchando dentro de mim, à medida que o tempo passa e ela não vem.

Quantas amigas e amigos, sabedores da minha paixão pela maternidade, me aconselhavam a "produção independente". O que faço eu com o olhar questionador do meu filho, pensava eu então, como respondo a ele quando ele perguntar onde está o pai? "Filho, eu o roubei de seu pai, e roubei seu pai de você"? Não posso, nunca pude, imaginar tamanho egocentrismo que me fizesse privar propositadamente um filho meu de seu pai.

Meu filho, pobre anjo, ainda espera para nascer, cada vez com menos esperança. A necessidade que tenho dele virou um hiato na alma, e dentro deste nasce uma moita que está vagarosamente se enchendo de pequenos espinhos. Dentro desta moita, uma única rosa brilha perfeita. Quando penso em meu nenê, sinto uma fome e um aperto que fazem estes espinhos me comerem a carne... Meu pequenino, minha rosa, vagarosamente se afasta de mim, como a pressentir que esta mãezinha não vai recebê-lo em seu ventre, e transformá-lo de apenas possibilidade em criança concreta.

E mulheres abortam seus filhos!!! Passo momentos agridoces imaginando a curva da bochecha, o formato do nariz, a cor dos olhos de uma criança que jamais existiu, sem conseguir atinar como uma mulher arranca de dentro de si uma criança pulsando de vida, para jogá-la na lata do lixo... Essa criatura que é dela, carne produzida de sua carne, com seus olhos, ou os olhos de sua tia Maria, ou o bom humor de seu primo José... Porque é que as crianças hoje são consideradas "problema" e as mães tentam se livrar delas como da peste, em vez de imaginarem que coisas boas e belas de si e de sua família serão perpetuadas naquele corpinho? Quantas coisas também podem ser melhoradas e consertadas numa próxima geração!

Um dia, ouvi uma canção. Não esperava por ela, não estava preparada. Meus joelhos tremeram, minha cabeça tombou e caí num choro convulso. Uma outra mulher, talentosa, linda – que sei não ter filhos como eu, pois a conheço pessoalmente – falava da minha dor como se fosse a dela, cantava um anjinho morto, como meu quase-bebê... Ninava esta criança morta com sua voz cristalina... Annie, ah! Annie, você assim acaba comigo, eu pensava enquanto chorava. Mas não conseguia parar de ouvir. Uma, duas, vinte e cinco vezes seguidas eu ouvi esta canção. Ela mesma foi a doçura que afastou o amargor.

Esta é a canção que uso para dizer a meu filho: Dorme, querido, mamãe está aqui.

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