30.8.02

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O Unicórnio e o Caçador (Parte I)



Ela era um unicórnio diferente. As pessoas geralmente associam um unicórnio com paz e bem-aventurança, com cura e inocência. Ela, no entanto, era o unicórnio da inocência perdida, e tinha durante sua longa vida usado mais vezes seu chifre mágico como espada que como meio de cura. Sim, ela tinha matado e ferido. Nunca por opção, mas com o cerrar de mandíbulas e a determinação feroz de quem luta por aquilo que tem de mais precioso. Ela não se esquivava de derramar sangue, mas toda a vez lhe vinha o medo que o cheiro de sangue derramado deixasse de lhe subir às narinas como podridão e ficasse atraente. Ela tinha medo de se tornar o que mais odiava: de se tornar uma criatura que mata por prazer. Temia esquecer que era um unicórnio. Não encontrava há muito com outros de sua espécie, que haviam se recolhido do mundo sensível para evitar encontros com seres humanos modernos.

Os humanos haviam mudado muito, e já fazia centenas de anos desde que a última donzela virgem e pura de coração havia colocado uma guirlanda de flores em seu pescoço. Muito, muito tempo se passara. Hoje era raro encontrar donzelas de qualquer espécie, e as mulheres não sabiam mais fazer guirlandas. A maioria nem tinha mais jardim para plantar flores. Ela, no entanto, não conseguia abandonar tudo com a facilidade dos outros unicórnios, sentia-se presa ao mundo material por um amor desesperado, e vezes sem conta ela se perguntara se esta sua incapacidade não seria uma falha grave em seu espírito. Será que lhe faltava algo?

Ser um unicórnio solitário no mundo moderno fazia com que ela fosse arisca e temerosa. Poucos eram os lugares onde ela corria livremente. Na maior parte das vezes ela velava o sono das crianças escondida por trás do reflexo de prata da lua, e nem mesmo as crianças sabiam que ela estava ali. Não, nenhum humano podia vê-la mais, pois a reação de reverência e adoração dos humanos de outros tempos desaparecera. Agora, humanos de todas as idades eram predadores. Até as crianças bem pequenas, que em tempos remotos ao vê-la diziam “bonita!”, hoje usavam outras palavras, como “meu!” e “dá!”.

Ela estava só, totalmente só, sem iguais e sem amigos. Lentamente a tristeza tomava conta dela, e transparecia em todo o seu corpo. Ela já tinha sido da cor da areia mais branca quando bate o sol forte, agora sua pelagem tomava a cor amarelada do marfim antigo. Ela não tinha mais brilho e – se não fosse um ser imortal – poderíamos dizer que a velhice estava tomando conta dela. Mas não era velhice, não no sentido que os humanos ficam velhos, era cansaço. Cansaço de alma. Uma alma recoberta por anos de solidão e desencanto.

Não era natural nela fugir, se esconder, lutar e machucar. Ela era um ser que se deleitava na companhia de outros, na admiração que sabia suscitar. Um unicórnio era naturalmente vaidoso, e ela havia sido das mais vaidosas entre eles. Agora, quem se importava? Para quê manter-se bonita, se nem mesmo os animais a reconheciam mais? Se não haviam mais puros de coração, que soubessem quem ela era?

Depois de pensar muito, ainda incapaz de abandonar o mundo que tanto amava e onde vivera por tanto tempo, ela tomou uma decisão: se no mundo não cabia mais sua beleza, ela se sacrificaria por ele antes que a feiúra do mundo a transformasse em um arremedo de si mesma. “Melhor derramar meu sangue, para que seja sugado pela terra e transformado em vida, que tornar-me um espectro e lentamente desaparecer” pensava ela. E começou a buscar alguém que a reconhecesse pelo que ela era, e a ajudasse a fazer este último sacrifício.

Um comentário:

zabellah disse...

adoro seu blog