16.2.03



- Ei.
- Hum?
- Que é que você está fazendo?
- Contando os pelinhos do seu braço. Duzentos e vinte e um, duzentos e vinte e dois...
- Contando?!
- Shhhhh.... duzentos e trinta, duzentos e trinta e um...
- Mas que maluquice é esta?
- Shhhhh.... é um trato que eu fiz com seu corpo... duzentos e quarenta e dois...
- Como é??
- Ai, está bem. Deixa eu anotar onde parei, que eu explico.
- Anotar? Ei, pára de riscar meu braço com a caneta!
- Só estou marcando a área que já contei. É um trato com seu corpo...
- Eu não estou entendendo patavina...
- Ontem, amor, enquanto você dormia, fiquei conversando com seu corpo. Eu estava ficando preocupada, sabe, que seu corpo pensasse que só tenho interesse na sua mente e no seu coração.
- Sei, você conversou com meu corpo... o que foi mesmo que você tomou no jantar?
- Deixa de ser bobo, você sabe muito bem que foi coca-cola. Sim, seu corpo fala muitas coisas, quando você dorme. Os pêlos do seu corpo se arrepiam, onde meu corpo encosta no seu, a respiração altera, os músculos fazem uma centena de movimentos involuntários... seu corpo me fala muito, amor, mas eu nunca tinha parado para responder, até ontem à noite.
- É?
- É! E eu fiz uma promessa a ele. Não vou jamais negligenciá-lo novamente. Ele fez um pouco de birra, virou de costas para mim, mas a minha promessa o deixou contente.
- Mas que raio de promessa é esta?
- Eu prometi que ia cobri-lo de beijos, pelinho por pelinho. Portanto, para cumprir a promessa, tenho de saber exatamente quantos pêlos você tem, ou ao menos uma boa aproximação... posso voltar a contar?
- Mulher, você beija meu corpo o tempo todo! Que história é esta? Para que contar pêlos?
- Não, amor. Eu beijo você, e sempre olho nos seus olhos para ter certeza que você percebeu. Sempre sei se você está recebendo meus beijos pelo jeito que sua pupila dilata. Beijo seu coração, e presto atenção para ver se sua pulsação altera. Quantas vezes você me ouviu perguntar se você percebeu meu beijo?
- Eu sempre achei isto esquisito.
- Pois é, eu sempre mandava beijos para seu coração, sua mente, sua alma. O seu corpo começou a achar que eu o rejeitava. Que eu amava você não através dele, mas apesar dele. E não é verdade, meu amor. Amo seu corpo tanto quanto amo o resto de você.
- Hummm... seu corpo também não é mau!
- Tira a mão daí, tarado! Eu estou falando sério. E seu corpo estava parando de reagir aos meus carinhos, achando que eu não o amava.
- Ah, você sabe que eu tenho andado cansado...
- Cansaço uma ova. Quantas vezes, logo que nos conhecemos, você chegava exausto do trabalho, tomava uma chuveirada, e queria imediatamente meus carinhos, porque dizia que revigorava você?
- ...
- Seu corpo estava deprimido. Carente. E eu prometi que não vou mais esquecer dele. Cada centímetro dele vai receber meu amor, para que ele volte a sentir que minhas mãos e meus lábios são melhores que uma noite inteira de sono. Lembra desta frase?
- Eu falei isto?...
- Sim, na época que seu corpo participava do nosso amor tanto quanto nossos corações e mentes.
- Você vai mesmo contar meus pêlos todos?
- U-hum... Dorme, e me deixa amar seu corpo novamente. Duzentos e sessenta e sete... duzentos e sessenta e oito.
- Amor?
- Que é?
- Acho que tenho uma confissão a fazer.
- É?
- É!
- Qual?
- Também tenho conversado com seu corpo. Enquanto você dorme.
- Ah, é? E o que ele diz?
- Ele me chama. Eu fico olhando a pele arrepiada do biquinho do seu seio, as ondas do seu cabelo... aquele ponto da nuca que você gosta que eu beije... tudo me chama.
- Eu sei... ele chama você também quando estou acordada... ele formiga onde você me toca, aquece com o seu olhar. Meu corpo ama muito você e seu corpo.
- Eu quero então participar desta promessa. Pára de contar pêlos. Onde já se viu?
- E que fazemos então?
- Vamos dormir, os dois. Dorme com seu corpo encostado no meu. Faz muito tempo que a gente não dorme assim. Deixa que meu corpo se entende com o seu.
- É...
- Depois de acordados, vemos o que acontece.

Eles dormiram assim, como há muito tempo não dormiam, ela de encontro ao peito dele, ele dentro dela, pernas entrelaçadas, respiração misturada. Tiveram lindos sonhos, os dois, dos quais tinham apenas a lembrança da beleza. Passaram a fazer isto mais vezes, e ele acordava sempre com o coração leve, inchado dentro dela.

Foi assim que eles morreram, juntos, ele dentro dela, para o constrangimento dos filhos, netos e bisnetos.

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